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Do Melancolia

Niterói, 03 de março de 2012

O que você faria se lhe restassem apenas 5 dias de vida?

Isso é o que reverbera dentro dos meus ouvidos já no início da segunda parte do filme Melancolia do Lars Von Trier.


No caso do longa-metragem é o planeta Melancolia que põe os relógios em contagem regressiva. Já na vida fora das telas é a própria Vida que põe nossos relógios em contagem decrescente. Na verdade, nascemos com o relógio marcando nosso fim. Acontece que somos bons em esquecer. Melhores ainda em fingir. Fingimos que o relógio começa a contar no zero e vai crescendo gradualmente. Nos esquecemos que, pelo contrário, quando ele finalmente chegar ao zero, aí não haverá mais esperanças.

Comemoramos aniversários: anos à mais de vida, quando o mais sensato seria comemorarmos anos à menos de vida. Se fossemos lúdicos o suficiente, em todas nossas festas arrastaríamos um cadáver entre os convivas, para que a recomendação dos antigos egípcios não nos escapasse: “Bebe e alegra-te, pois morto serás como este”.

Viver é estar morrendo. “A primeira hora que nos deu a vida tomou-a de nós”, como diria Sêneca. Ou, “Todos os dias levam à morte: o último a alcança”, nas palavras de Montaigne. Não há como evitar, e o não pensar nela não mudará a realidade de sua inevitabilidade.

O que você faria se lhe restassem apenas 5 dias de vida? Onde gostaria de estar? O que gostaria de estar fazendo? Ou lendo? O que gostaria de estar sentindo? Ao lado de quem estaria? O que estaria pensando? Se lhe restassem 5 dias...

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Se fosse possível saber o dia da véspera de nossa morte, como no Melancolia, como seria? Como seria esse penúltimo suspiro? Quais seriam as cores do Mundo? Branco, preto, coloridas? Como? É a véspera do Ocaso. Nos 3 dias anteriores conseguiu por em prática seus últimos planos? Por acaso planejou seu funeral? Escolheu as flores e os hinos?

É Véspera... Não resta muito mais tempo. Essa será sua última noite. A última luz do luar. Os últimos brilhos das estrelas. O último cantar das cigarras. O último banho noturno. O último sexo de madrugada. O último sonho antes do eterno sono.

O que você sonharia na Véspera? Sonharia com a vida que passou? Ou, por acaso, com a vida que deveria ter passado? Sonhará com os próximos campos do Paraíso? Ou, com a eterna noite? Se os deuses forem bons, talvez não sonhemos... Suas botas estão calçadas?

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Não há como escapar! O Melancolia colidirá com a Terra e não há sequer lugar para correr. Não há como fugir. Ir para onde? Diferente de filmes como Impacto Profundo e Armageddon, no Melancolia não há esperanças. Só há desespero e resignação: ora uma irmã, ora outra. É inevitável. Não há para onde ir. É coisa certa.

No filme os personagens usam telescópios e cálculos matemáticos na observação do Melancolia. Vigiam-no a cada segundo. Não perdem um único movimento de sua trajetória. Nós, cá, devíamos fazer isso com nosso Melancolia particular. “Tiremos-lhe a estranheza, frequentemo-la, acostumemo-nos com ela, não tenhamos nada de tão presente na cabeça como a morte: a todo instante a representemos em nossa imaginação e em todos os aspectos”, tal é a recomendação de Montaigne.

Nesse último dia estarei preparado? Quando ver os últimos passarinhos voando no céu, quando ouvir pela última vez aquela sinfonia de Beethoven, quando tomar o último banho de praia, ler as últimas linhas daquele último livro, quando der o último abraço, o último beijo, quem serei eu? Quem é este que de tudo e de todos se despede?

Não há mais tempo para perguntas. Restam-me apenas alguns minutos. Os anos giraram sobre si, repassando sobre seus próprios rastros. “O presente já passou e nunca mais poderemos chamá-lo de volta”. É nosso último espetáculo. Sentemos num campo de grama verde sob os pés. Tomemos um bom vinho, numa bela taça. Coloquemos as Quatro Estações de Vivaldi, ou, Into the West da Annie Lennox. E fiquemos a admirar. Melancolia vem em nossa direção.


Tudo em volta sente a aproximação. A energia acaba. Os animas fogem: tolos, acaso não sabem que não há para onde fugir? A atmosfera é invadida pelo planeta e o ar começa a nos faltar. Uma luz. Uma forte luz. Vivaldi continua tocando. Será que ele passou por isso? Então, é esse o momento. Permita-se uma última olhada ao redor. Tudo em slow-motion. Não mais que alguns instantes. Já é possível sentir o calor do Melancolia. Cada vez maior. Cada vez mais azul. Cada vez mais lindo. (Pode a morte ser tão bela?) Cada vez mais próximo. Cada v...

(Triste na Morte não é morrer, mas sim nunca mais poder ver tudo que um dia vimos. Nunca mais sentir aquilo que um dia veio ao coração. Nunca mais abraçar aquela pessoa tão especial. Nunca mais sentir aqueles lábios. Nunca mais sentir aquele cheiro. Nunca mais ler aquele livro. Nunca mais saborear aquela comida. Nunca mais ver aquelas paisagens... O que dói na Morte não é estar morto. O que dói é não mais estar vivo...)

Omnes eodem cogimur, omnium
Versatur urna, serius ocius
Sors exitura, et nos in aeter-
Num exitium impositura cymbae.

[Todos nós somos empurrados para um mesmo ponto, a urna de todos nós é agitada, cedo ou tarde dali sairá a sorte que nos fará subir na barca para nosso fim eterno.] (Horácio, Odes, II, 3, 25)

“É incerto onde a morte nos espera, aguardemo-la em toda parte. Meditar previamente sobre a morte é meditar previamente sobre a liberdade. Quem aprendeu a morrer desaprendeu a se subjugar. Não há nenhum mal na vida para aquele que bem compreendeu que a privação da vida não é um mal. Saber morrer liberta-nos de toda sujeição e imposição. (...) Por mim mesmo, não sou melancólico mas sonhador: não há nada de que me haja ocupado desde sempre como dos pensamentos sobre a morte, e até a época mais licenciosa de minha vida, juncundum cum aetas florida ver ageret [quando minha idade em flor vivia sua doce primavera].” (Montaigne, Ensaios, Capitulo XIX: Que filosofar é aprender a morrer)

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