tag:blogger.com,1999:blog-78484588113183417332024-02-21T12:14:01.226-03:00Ser o que SouAlan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.comBlogger160125tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-81669965297396957242013-06-03T18:19:00.000-03:002013-06-03T18:19:12.117-03:00Da conversa com Vento<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><b>Niterói, 02 de junho de 2013</b><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Era final de tarde. Uma hora, apenas uma,
separava-me do Ocaso de rosáceos dedos. O céu ainda encontrava-se claro e
nublado. As nuvens forravam as alturas com um cinza melancólico. Meu humor
harmonizava-se com a morada dos deuses.<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Sentei-me. Meus pés balançavam, pendurados no ar. O
verde da grama em que estava sentado contrastava com a cor escura das pedras do
penhasco, meu trono particular. Era um penhasco escarpado: mais alguns
centímetros a frente e o abismo acolheria-me me seus braços rochosos. Abaixo,
muito mais abaixo, talvez centenas de metros abaixo, as pedras úmidas pela água
salgada. Ondas iam e vinham, chocando-se contra a parede de meu templo
solitário. As gostas que respingavam fariam bem ao meu rosto, já tão marcado,
mas, era triste ver que estavam tão distantes. Nada havia que se mexesse, a não
ser o misterioso mar.<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"> Não sei por
quanto tempo fiquei lá, sentado, convidado pelo abismo a pular. Dava-me
vertigem o desejo de me jogar. Como Odisseu, eu ouvi o canto das sereias, mas
não me rendi. Até que ouvi outra voz. Olhei para os lados, e ninguém por perto
estava. Mais alguns segundos e a voz novamente chegou até a mim. </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“Quem é você?”
foi minha resposta. “Sou aquilo de quem falam, mas que nunca veem. Sou
invisível como os deuses, e por vezes os sirvo. Destruo mas também afago. Sou indomável
companheiro dos homens. Sou Vento.”</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“O que estás a fazer?”<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Não olhes diretamente para mim, pois me ver não
podes. Torce teu pescoço, inc</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">lina tua cabeça, atina teus ouvidos. Quando eu
passar, ouvirás o eco de meu corpo, e tu terás a resposta.”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“O que estás a fazer?”<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“O mesmo que tu, pequeno. Apenas existindo. O que fazes
sentado em penhasco tão alto? Um empurrão meu e podes permanecer para sempre
aqui, fundido às rochas </span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">e ao mar.”</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Não sei responder. Acho que estava</span><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> com saudade.
Saudades da altura, da vertigem, do céu cinza, da grama molhada, da solidão, e
do perigo de assentar-me aqui, tão próximo da morte. As festas e bailes me
cansaram, os corpos já não me fazem companhia, parte de minha alma está longe,
livro algum para sobre minhas mãos. Saudades de mim... acho que é isso...”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Não cansas de ficar sozinho?”<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Diga-me tu, que está em todos os lugares, e não
está em nenhum, que abraça a todos, mas a ti ninguém abraça.” <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Depois de muito tempo, há que acostumar-se. Vocês,
nos poucos anos que tem, talvez não consigam isso. Fomos feitos assim. Muitos
por mim já passaram, mas comigo ninguém pode ficar. No início, revoltava-me com
mais frequência: árvores, montanhas, rios e os primeiros homens sofreram com a
turbulência de meu coração solitário. Em minha angustia, matei muitos. Se
comigo eles não podiam ficar, tampouco existiriam. Cansado do sangue que
escorria pela terra, fui ter com três deusas. Elas, de semblante sombrio por
conhecerem o destino de todos, à mim ensinaram o que é existir. Não digo que
aprendi com facilidade: muitos outros morreram pela minha dor. Mas, como te disse, os incontáveis anos me
acalmaram de certa forma. As deusas me falaram como haveria de ser, e não havia
como mudar. Tive que me enquadrar. Elas são as senhoras.” <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Se aprendeu, diga-me, qual é o segredo da vida?
Como posso aprender?” <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Nunca aprenderá” foi o que me disse Vento. Porém,
antes que me entristecesse por completo, suas palavras aladas chegaram aos meus
ouvidos: “Poucos anos te concederão as deusas. Com tão ínfimo tempo, não hás de
aprender como existir. Milênios haveria de passar antes que as palavras
começassem a fazer sentido, e mais outros milênios para tentar por em prática.
Nunca haverás de apreender a vida. Ela passará por você assim como por ti eu
passo. Saiba, entretanto, que por isso você está desobrigado a ser quem você
deveria ser. Podes se reinventar quando quiser. Seus poucos anos te dão esta
licença. És livre porque é mortal. Estás condenado a ter sua liberdade nas próprias
mãos: pode se atirar de onde estás, podes levantar e ir para as campinas, ou
podes permanecer onde estás. Que deus se oporá a sua vontade? Por não saberes o
sentido da vida, a ignorância é teu álibi. É certo que as deusas um dia hão de
cortar o fio que te prende a este oceano de existência, mas a ti nunca poderão
fazer mal, nem te recompensar punitivamente por teus atos. És dono de tua vida
por viver tão pouco. À mim a responsabilidade persegue, à ti, apenas a
liberdade. Consegues ser livre para amar, por não conseguir adivinhar que o
amor um dia chega ao fim. Como saberia? Morrerás prematuramente antes de sequer
tocar tal pensamento com tua mente. És livre para sentir saudades, pois não
está em sua alçada saber quando haverás de reencontrar o alvo de tua saudade. Não
reclames por não saber de todas as coisas, nem se revolte por ser tão efêmero:
sua liberdade é dom da ignorância e da morte. Se queres permanecer aqui,
permaneças. És livre para estar sozinho, mesmo que te doa. Disso também não
reclames, pois, por pouco tempo estarás sozinho, diferente de mim, condenado a
viver sem a ninguém abraçar.”</span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Com estas palavras foi-se Vento. O sol já havia se
posto e as primeira estrelas começavam a brilhar no céu. Eu permaneci mais um
pouco. Com saudades das palavras dele. Mais próximo de mim. <o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-73965396347541144162013-04-17T01:08:00.003-03:002013-04-17T01:11:39.982-03:00De Orfeu<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<b><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Niterói, 16 de abril de 2013</span></b><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span>
<div style="text-align: center;">
<b><span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Para Willian Lizardo</span></b></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP6fQRpwnPYLaKfosQVIGVA7ZN4kC0YLS0-xLJDknohLdjIEzyibTHSGNxJJJJte-fCOZZ6HSACbebb2fRi1Pwpk_Z0CN-LaEoS_Z6UBKxTg2sbfvP4L9jhlY_7rg5iuIP1QAgmfqnmvG8/s1600/orfeu.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgP6fQRpwnPYLaKfosQVIGVA7ZN4kC0YLS0-xLJDknohLdjIEzyibTHSGNxJJJJte-fCOZZ6HSACbebb2fRi1Pwpk_Z0CN-LaEoS_Z6UBKxTg2sbfvP4L9jhlY_7rg5iuIP1QAgmfqnmvG8/s320/orfeu.jpg" width="247" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Alma, prende-me dentro de ti.</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Cada dia que se ergue, e lá se vão muitos, é seguido pelo estreitar de suas correntes em volta de meu coração. Chega a arrancar-me lágrimas e sangue: dói, alma; dói estar perto de você, dói estar longe. Sangro. Olho para meus pulsos, choro. Lágrimas de alegria pelo cativeiro. Saibas que meu cadafalso é tua existência, e sinto que a qualquer momento pode arrancar-me a cabeça. Se acontecer, serei um corpo inerte. Até lá, não hei de fugir, querido algoz. As paredes de minha prisão são mais desejáveis que os quartos palacianos dos monarcas que sempre passeiam por nossa prosa. </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Estamos envenenados, meu outro eu. Fomos feridos pelo frio branco da imensa lua, a única de nossas vidas, que acima de nossas cabeças lançava feitiços peçonhentos. Se tentarem nos salvar, o antídoto há de matar a ambos. Eu, porque estou em você, você, porque está em mim. Uma paráfrase montaigniana, tu que dizes que nós filósofos gostamos de apontar os dedos. </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Quem diria...</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Se um dia nos avisassem que o amor desvairado e o desprezo que à ele fazia frente cederiam lugar à uma amizade para além da amizade, certamente zombaríamos de tal espalhafatão. Não compreendem, porque não é algo que se aconteça com frequência. O mundo precisa de milhares de anos para fazer surgir algo como isto. Montaigne, novamente... um beijo no coração, querido!</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Escrevo cartas para alguém cujas palavras são desnecessárias. Linhas e mais linhas para alguém cujos versos sempre são mais profundos que os meus. És mestre poeta e músico, eu, retórico e sóbrio. Pago meus tributos à você, aedo e rapsodo. </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Um único erro, porém, cometeste ao escrever-me: ser por demasiado belo. Ourives das lestras, humilha-me a cada vírgula. Encurvo meus ombros a cada ponto. Temo largar a pena a cada parágrafo. "O que escrever depois de Proust?", lamentava Virgínia. Eu sou Virgínia. Tua beleza é teu calcanhar de Aquiles: bem saber que Virgem não deve brilhar mais que o Leão. Mas, que hei de fazer? Renunciei ao orgulho, preferi tua companhia. Não há o que fazer. Tua constelação te eleva e te aproxima dos deuses eternos, enquanto à mim, reserva-me as savanas áridas e poeirentas. Sempre te olharei de baixo, maldito. </b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Temo por já estar sendo prolixo. Se escrevo, não escrevo para você, mas para que os outros saibam de você. Entre nós, l e n t a m e n t e as palavras vão se a b o l i n... Permanecem os olhares certeiros, profundos, concordantes, e zombeteiros.</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><b>Escrevo um tributo, alma. Antes mesmo de morrerdes. Ofereço minhas libações, sacrificando no altar do amor para além-das-categorias os sentimentos que não consigo dizer, e que ainda não entendemos. E que assim vejam não a mim, mas à você, tu que és Orfeu, emissário das Musas, deusa dos poetas e dos heróis.</b></span></div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-7739694585571324152012-12-04T01:24:00.000-02:002012-12-04T01:24:14.785-02:00Da ansiedade<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><b>Niterói, 03 de dezembro de 2012</b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Impaciente espero uma pessoa que compartilhará comigo
a solidão de uma existência. Sofro por esperar alguém que em breve estará ao
meu lado, falando ao meu ouvido palavras de carinho, afagando docemente meu
cabelo. Dói-me espera-la. Machuca-me, sobretudo, o fim deste amor: por indiferença,
pelas brigas, simplesmente, pelo esfriamento, ou, puramente, pela morte. Leve
poucos meses, leve longos anos: o amor é mortal por ser mortal seu hospedeiro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Apesar das dores, espero. Levará um mês, ou, alguns
anos... Quem sabe não venha!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Fico a escrever, pois sou ansioso e odeio esperar...<o:p></o:p></span></div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-81235368855796001572012-12-04T00:56:00.000-02:002012-12-04T01:05:32.904-02:00De meu amigo e de seu vôo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><b>Niterói, 03 de dezembro
de 2012</b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Por vezes deparo-me
com o coração palpitante de um amigo meu. Se não bastasse o coração
querer fugir de sua prisão carnal, observo mãos suando, olhos inquietos, fala
entrecortada. Diagnostico: de um mal
sofre meu amigo: paixão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Arrebatado pela própria imagem refletida nesse belo
ser que acabou de conhecer, encontra-se epifânico. De tão leve que está, seus
pés não estão mais na terra; olha-nos de cima, lá do céu. O Sol que é esse
amado faz com que meu amigo não deseje estar mais entre nós. Ele quer luz, calor e altura. Tudo que
costumeiramente não encontramos aqui embaixo. Meu querido amigo percebeu o
quanto é bom voar. Levantou vôo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">É, entretanto, a altura que mete-lhe medo. Maior
altura, maior a queda. Seu coração palpita de paixão e de medo. A paisagem lá
de cima confere-lhe esperança, mas certo, para ele, é a dor de cair de um lugar
tão alto. A queda é certo, a esperança, mãe da ilusão. Meu amigo está confuso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Se aqui escrevo, escrevo ao meu amigo para dizer-lhe
que não tenha medo. Não do medo do fracasso, pois esse está muito a frente e
pode nem vir a suceder. Que não tenha medo de voar, de experimentar, de sentir
a vertigem dos lugares altos. Não é necessário, entre nós, querido irmão e alma
gêmea, os conselhos da temperança: nos conhecemos demais para receitar-nos tal
preceito. Impulsivos e aventureiros que somos, resta-nos viver esses momentos e
apreciar as novas paisagens. Merecemos algumas horinhas de Sol.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Não tenha medo, amigo! A distância é sua. E, se por
acaso houver de cair, ora, estarei aqui embaixo para curar os ferimentos. Se
isso acontecer, e é provável que aconteça – cedo ou tarde – da minha boca não
sairá o veneno dos moralistas medrosos: “Eu te disse...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Voe, e, quando estiver bem lá em cima, tire uma foto e
envie por cartão postal... Vou querer saber como é esse novo Sol. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">À Willian Lizardo<o:p></o:p></span></div>
<br /></div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-28020915431260999802012-11-15T19:50:00.002-02:002012-11-15T19:56:00.214-02:00Ode à Tristeza<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><b>Niterói, 15 de novembro de 2012</b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Vós, os felizes,
por que querem enxugar nossas lágrimas? Que tirania tomou conta de suas mentes
para que pensassem que somos apenas melancólicos? Que ditadura é essa que
querem estabelecer? Felicidade a qualquer custo, eis vosso emblema...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Embriagados pela
alegria saem pelas ruas bradando que a felicidade deveria virar rotina.
Invadem-nos as tabernas onde pessoas choram, ao sabor de um whisky, os males
que a vida os trouxe. Cantam músicas de um felicidade eterna no além, aos pés
de um moribundo no leito de um hospital. “Deixai os mortos sepultar os mortos”
é o mantra que entoam nos funerais. Diante da mãe de seu filho natimorto,
tentam consolar sua dor fazendo-a acreditar que ao nascer o próximo filho, as
lágrimas por este não farão mais sentido. Chamam artistas e filósofos de
depressivos por enxergarem beleza na tristeza, quando, para vocês, apenas a
alegria é digna do Belo.<o:p></o:p></span><br />
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Quantos desvarios
tomaram conta de vocês!</span></div>
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Que seria da alegria se não houvesse a tristeza? Reinando soberana sobre os
sentimentos, a felicidade, eternamente sentada em seu trono, tornar-se-ia aos
poucos parca. Preto e branco seria sua bandeira. As festas, tão rotineiras,
comportariam corpos que já não se sustentam de tanto dançar; os sorrisos, tão
comuns, deixariam de ser a expressão de um coração agraciado por alegria
efêmera; na face de cada pessoa haveria uma máscara de felicidade: o semblante
da própria tirania.</span></span></div>
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">
<o:p></o:p></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Os corações não
aguentariam o frenesi dos batimentos que acompanham aqueles momentos que
julgamos ser possível morrer de tanta felicidade. Não haveria ouvido que
aguentasse as eternas gargalhadas que ecoariam onde quer que estivéssemos.
Existindo somente a alegria, ela própria perderia o seu sentido.<o:p></o:p></span><br />
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Somente a
loucura poderia conceber uma vida em que não houvesse o sofrimento. Se vida terrena
assim já seria insuportável, quem dirá uma vida eterna, na presença de pessoas
e de um Deus tão felizes que desejo suicidar-me só de cogitar tal mundo
fictício.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Creia-me, a
tristeza é o grande tempero do mundo. A tristeza é a mãe de toda a felicidade
que possamos almejar. Por causa dela, lançamo-nos na busca por aquilo que nos
faz bem. De tanto chorar, uma hora enxugamos nossos rostos e saímos para a luz
do Sol. A tristeza é a chuva acalentadora num solo rachado por tantas
imprudências que leva-nos a felicidade. Se não fosse pela tristeza, o pintor
não teria posta na tela aquela lágrima brilhante no rosto da moça que chora
sozinha em meio a multidão. Se não fosse a tristeza, nunca teríamos percebido
essa moça, nem nos encontrado nela; se assim não fosse, nem mesmo teríamos a
sensibilidade que tanto admiramos. Se não existissem corações despedaçados, não
haveria o samba que alegra o povo tão oprimido das cidades. Se não houvesse a
tristeza não haveria Homero, Horácio, Ovídio, Dante, Shakespeare, Montaigne,
Jane Austen, Virgínia Woolf, Stendhal, Dostoiévski, Tolstói, Proust, Oscar
Wilde, Fernando Pessoa, Drummond de Andrade, Florbela Espanca, Vinicius de
Moraes, Toquinho, Tom Jobim, Villa-Lobos, Cartola, Adoniram, João Gilberto,
Elis Regina, Renato Russo, Cássia Eller, e tantos outros que me cansaria só de
escrever seus nomes. Se reinasse a felicidade, o que seria da arte? Por Deus,
se não houvesse a tristeza, não haveria poesia...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">A tristeza não
precisa ser soberana. Porém, não pode deixar de existir. A tristeza não deixa a
vida sem graça, pois, ela é a própria graça quando nossos corações estão
alegres e conseguimos rir das tragédias passadas. A tristeza é irmã gêmea da
alegria, embora elas não se deem muito bem, andando sempre separadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Quando tristes,
não queremos consumir nossos dias, queremos prolonga-los para vermos no espelho
aquele belo sorriso tão fugidio. A tristeza que acompanha a tragédia é mãe das
mais belas filosofias. Quando tristes queremos estar cada vez mais tristes para
que ela, de repente, deixe de existir, deixando-nos a alegria por estarmos
vivos. A tristeza junta novamente os amantes que perdidos estavam em suas
alegrias egoístas: basta que o amado chore, para que nasça no coração do amante
aquele amor novo e imaculado. A tristeza aproxima dois corações marcados pelo
sofrimento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Chorar nos torna humanos. Pedras, árvores, rios, céus, mar e tudo quando é divino não chora.
Eles são perfeitos, mas não belos quanto os seres humanos e os animais. Nós
coroamos a Natureza por seremos capazes de derramar lágrimas e sorrir quando
elas secam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Por isso, não
venham me dizer que não posso estar triste. Não me venham com essa loucura: um
coração aos pedaços é pai de tudo quanto é encantador. A tristeza é bela, pois
é belo o ser humano que, sofrendo, encontra a si mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">A alegria
está-nos reservada para quando leves estiverem nossos sentimentos. Seremos
capazes de sermos felizes quando, após muito sofrer, compreendermos o sentido de
nossa vida. Lá, seremos verdadeiramente felizes, mesmo que isso aconteça
segundo antes de morrermos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Até lá, não
quero ser completamente feliz. Quero estar incompleto, imperfeito, dando espaço
para a luta eterna entre as irmãs gêmeas, fazendo brotar em mim um mundo novo,
explodindo em cores. A perfeição não encanta, pois é imóvel e imutável. Já
a imperfeição, personificada na tristeza, pode mover-nos... E quão belo somos ao
caminharmos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;">Matem a verdade
que diz que a felicidade precisa reinar! Favor maior nunca mais farão. Que
reine a Vida: com ela suas filhas: a alegria e a tristeza. E, quando alguém que
não entende nada sobre os seres humanos vier, aconselhando-te a parar de chorar
e a deixar de sofrer, diga-lhe que sobre a Vida ele tem muito a aprender.
Afinal, os antigos, milhares de anos antes de nascer aquele que vos escreve,
tornaram-se sábios ao compreenderem que se é para nos alegrarmos, que nos
alegremos, porém, quando for para estarmos tristes, que choremos com toda nossa alma. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT-BR" style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #990000;"><b><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">“... O</span><span style="background-color: white; font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;"> dia da morte é melhor do que o dia do nascimento.</span></b></span></div>
<b><span style="color: #990000;"><span style="background: white;"></span></span><br /></b>
<br />
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #990000;"><span style="background: white;"><b>É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma
casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a
sério!</b></span></span></div>
<span style="color: #990000;"><b><span style="background: white;">
</span>
<span style="background: white;"></span></b></span><br />
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #990000;"><span style="background: white;"><b>A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto
triste melhora o coração.</b></span></span></div>
<span style="color: #990000;"><b><span style="background-color: white;">
</span>
<span style="background-color: white;"></span></b></span><br />
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #990000;"><b><span style="background-color: white;">O coração do sábio está na casa onde há luto, mas
o dos tolos, na casa da alegria."<span class="apple-converted-space"> </span></span></b></span></div>
<span style="color: #990000;"><b><span style="background-color: white;">
</span>
</b><span style="background-color: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%;"></span></span><br />
<div style="text-align: center;">
<span style="color: #990000;"><span style="background-color: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><b>(Eclesiastes 7:1-4)</b></span></span></span></div>
<span style="color: #990000;"><span style="background-color: white; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; line-height: 115%;">
</span></span></div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-40026038365569047862012-11-15T16:17:00.000-02:002012-11-15T16:53:10.974-02:00Do nosso fim<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<b>Niterói, 15 de novembro de 2012</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"O que vejo dentro desses olhos? Vamos, abra-os para mim, eu quero ver... Sei que as lágrimas embaçam teu olhar, mas, por favor, abra-os, por mim...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eles são de um azul profundo. Azul como o coração do oceano. Suas lágrimas fazem-me acreditar que de dentro deles todo esse oceano está prestes a se derramar. Vamos, minha querida, não segure... deixe que venham como ondas. Permita-me, apenas, contemplá-los na tormenta de seus sentimentos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu sei, não precisas me dizer. A dor de todo o mundo encontra-se dentro destes pequenos olhos. Todo o pânico, todo o desespero. É, meu amor, não fomos bons o suficiente, e agora tudo está prestes a acabar. Tentamos... sinto dizer-lhe... não conseguimos. Sim, podes chorar...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Disseram-me, quando pequeno, que faz bem ao coração romper o dique, deixar tudo vir à tona. Contaram-me, e eu eu pude aprender. Triste é não mais termos a quem ensinar o que nossos antepassados com tanta sabedoria nos falaram. Fim da linha, minha querida. Não haverá mais nós... Éramos jovens, imprudentes, desejosos demais em gastar nossos dias. Vivemos, nos consumimos... não nos resta muito mais tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A natureza cansou dos nossos crimes. A mãe Terra chama-nos de bastardos. Prepara-nos um castigo que não tarda. Choras? Console-se com minhas palavras: haveria de ser assim, meu amor. De ouvidos tapados, não pudemos ouvir suas lamentações; de séculos em séculos nossa mãe chorou. Eis que se levanta: em fúria e morte. Podemos chamá-la de tudo quanto é nome: cruel, impiedosa, insensível, assassina; nunca, porém, poderemos chamá-la de injusta ou de impaciente. Com toda naturalidade que é própria, trouxe-nos à vida, fez com que crescêssemos em seus braços. Já adultos, fomos ingratos. Malditos filhos bastardos...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Derrubamos as árvores das florestas que um dia foram nossas casas, extinguimos os animais e os peixes que serviram-nos de alimento, poluímos o ar que com oxigênio tanto nos encheu os pulmões, escavamos fundo demais suas montanhas em busca de metal que nada nos valerá agora. Decidiu, ela, mãe justa, por nosso fim... mesmo com certa tristeza...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Somos incorrigíveis, minha querida. Olhe-me nos olhos. O que vê? Vês um verde de doentia esperança... esperança de dias que nunca chegarão à nós. O verde esperançoso dos meus olhos ficarão sem respostas. Não chores, querida, só irá machucar-me mais. Não é apenas culpa sua...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Olhe ao redor de você! Caos, meu amor. Casas inteiras destruídas, prédios em chamas, lojas saqueadas, jardins à tão pouco floridos, agora, pisoteados. As pessoas correm sem rumo por todos os lados. Para onde vão? Não há para onde ir... Nem mesmo os poucos animais que sobraram foram poupados pelo caos. Eles sofrem: pagam por um crime que nunca cometeram. Resta-nos a destruição.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Enxugue seus olhos. Observe a mãe com o filho nos braços, perceba o pavor: com uma mão segura o filho, e com a outra tapa a boca que de tanto espanto não foi possível fechá-la. Tudo ao redor dela é caótico: vê, mas recusa-se enxergar. Onde está o marido? Talvez tenha saído para buscar ajuda, ou para pegar alguma comida, ou, quem sabe, esteja preso na cadeia, ou tenha se matado de desespero, ou, ainda, morto e soterrado debaixo dos escombros de um desses tantos arranha-céus que tombaram. Quem poderá responder-lhe?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Olhe para o outro lado... O que vê? Carros batidos, pessoas brigando, gritos por socorro, postes de luz despedaçados, uma jovem aos prantos sentada na calçada daquilo que um dia foi a casa de seus pais, crianças de rua desamparadas - como sempre estiveram -, idosos que já esperando a morte estão surpresos por ela chegar assim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esperança? Em que? Para quê, meu amor? Ei, ei, não chores mais... Tire suas mãos do rosto e olhes para mim... Um pouco nos resta!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Seus olhos, de tanto chorar, tornaram-se castanhos. Estás de luto! Sinto que ele tomou-lhe o coração inteiro. Escuro seus olhos, negro seu coração. A vida contida em seus olhos esvaiu-se com as lágrimas. Choras-te suas próprias forças. Console-se, porém. Não se deixe enganar com as minhas palavras. Findamos nossos dias por nossa própria ambição. Eu, dentre muitos, fui o mais ambicioso, e, disso, morrerei também eu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não há por quê escondermos os rostos marcados pela culpa. De nada nos adiantará. Somos velhos, embora novos por fora. A proximidade do fim envelheceu-nos: o que levaria dezenas de anos para ser ensinado, levou dias para ser aprendido. Nos tornamos sábios de uma hora para outra. Contudo, de que adianta-nos? Amanhã já não estaremos mais aqui. Estamos só: nós e o caos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Perceba, meu amor, que o que há por detrás do caos é o luto. Morreram todos os nossos heróis: morta está a pátria, a liberdade, a democracia, a honra, a moral, a ciência... morta está, por deus, a verdade. Estamos de luto por tudo que construímos, estamos de luto por nós mesmos. Sobreveio-nos o caos ao percebemos a morte: não sabemos mais o que fazer com aquilo que ainda vivo já foi sentenciado de morte. Fomos lançados num terreno que não conhecemos. Nos perdemos. Nosso caos é o luto por nossa morte antes mesmo de termos sido enterrados.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Lágrimas... quantas lágrimas correm por sua face, minha garotinha. O tempo está esgotado; nossa mãe Terra decretou nosso fim. Porém, não conseguiu matar-nos a sensibilidade. Isso pelo menos não perdemos. Vejamos e capturemos, então, esse último pôr-do-sol. Que seja esse o nosso epitáfio. A Terra não nos quer mais em seus braços. Chegamos ao fim de nossa raça. E, se nos é permitido ainda sonharmos tão próximos do fim, esperemos que os próximos filhos sejam melhores que nós."</div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-87925389157310042432012-10-26T02:44:00.002-02:002012-10-26T02:44:25.703-02:00Do desespero de amar<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<b>Niterói, 26 de outubro de 2012</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #990000;">"O primeiro amor é um doce desespero..."</span> (<i>My week with Marilyn</i> - Film)</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez seja necessário o mergulhar profundo no doce desespero que é o primeiro amor...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não faltam palavras neste caderno que descrevam o intenso desespero que é amar pela primeira vez e ver esse imaculado amor acabar de uma hora para a outra. Dias, semanas, meses, anos, não importa: há de acabar, restando o doce e amargo sabor do sonho que um dia foi real e hoje é apenas saudade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ausente está a necessidade de refazer os antigos passos do primeiro amor. Observo silenciosamente à distancia. Na lembrança sempre tão dolorosa que acompanha tudo o que um dia foi, a presença do desespero que ainda não ousava apossar-se, mas que ao largo sempre caminhava. Desespero utópico naqueles dias... verdadeiro no final.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Fundido ao corpo, penetrando pelos poros, correndo dentro das veias, esmagando o coração. É ele, o desespero a tornar-me mais prudente, menos obsessivo, mais desconfiado, certamente mais sincero à nova paixão encontrada na estrada daquilo a que chamamos de Vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
"Não pedirei que não chores, pois nem todas as lágrimas são um mal...", ouvi certa vez da boca de um sábio que fumava cachimbo nas bordas de um porto: lágrimas de um desesperado, sabedoria de um homem de coração aos pedaços...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No final de tudo pode ser que nada faça sentido, e creio que realmente não fará. Por ora, acalma as dores de um coração maltrapilho. Que infâmia há em dar alento ao viajante que de tanto vagar possui os pés cansados, os ombros encurvados, a face desacreditada? Deixe que descanse enquanto houve de durar o seu repouso... A quimera de ter finalmente chegado ao lar pode trazer-lhe alguma paz, mesmo que efêmera. À sua verdadeira casa, em breve verá, ainda não chegas-te: precisará muito caminhar antes de se aperceber que durante todo esse tempo carregou consigo o que sempre procurou. Até lá, deixa-lhe que o desespero sirva-o como guia, e não recuse-lhe abrigo quando houver de bater em sua porta...</div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-57714128675188479492012-09-27T02:39:00.003-03:002012-09-27T02:44:13.077-03:00De Barbazul e da solidão<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><b>Niterói,
26 de setembro de 2012</b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://bookdome.com/fiction/Thousand-One-Nights/images/Stories-From-The-Thousand-And-One-Nights.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://bookdome.com/fiction/Thousand-One-Nights/images/Stories-From-The-Thousand-And-One-Nights.jpg" width="209" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><b><br /></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Contaram-me certa vez
que um rei havia muito queria casar. Barbazul, o rei, morava em seu castelo de
muitos cômodos e de muitas torres. Por ser rei, não lhe faltava pretendentes.
Todas desejavam ser rainha, porém, uma só conseguiria o posto. Era preciso,
então, escolher a que dentre elas seria sua esposa.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Uma das torres foi
projetava exatamente para esse propósito. Oito ou sete patamares foram
construídos. Em cada um o rei apresentava às pretendentes o seu mundo
particular. Patamar da família, patamar dos amigos, patamar das festas, patamar
das obrigações reais, patamar de tudo o que era tipo. Tudo quanto fazia parte
da vida de Barbazul estava contido por detrás daquelas portas. E lá adentravam
as pretendentes. Eis, então, que chegavam ao último patamar. O soberano entregava-lhes
a chave e se retirava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Era um quarto escuro.
Havia apenas dois bancos. Um para a pretendente. O noutro vinha sentar-se um
violoncelista. Se não me falha memória, o músico sentava e passava a tocar uma
obra de Bach para violoncelo. Ao final da música, ele se levantava e ia embora.
A pretendente saia e encontrava-se com o rei que lhe perguntava o que a moça
havia sentido. Elas respondiam quão bela era a música, ou quão perfeita foi a
interpretação. Não comovido, Barbazul as dispensava, e, continuava em sua busca
por uma esposa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Houve, certa vez, uma
moça que se candidatou ao posto de rainha. Ela, também se não me engano, era de
família humilde. Percorreu todos os patamares. Chegou, por fim, ao último.
Sentou-se no devido lugar. O violoncelista pôs-se a tocar. Enquanto ouvia os
caminhos que a música percorria, a moça sentiu uma profunda solidão. Aquela
solidão a comoveu e seus olhos não tardaram a derramar lágrimas. O que passava
pela sua mente e seu coração eu desconheço, mas seu choro foi intenso e
sincero. Ficou lá... chorando por algo que lhe tocou a alma. A música terminou,
o músico foi embora. Ela permaneceu em silêncio, sentada durante um tempo. Ao
sair, encontrou Barbazul. Este perguntou-lhe o que havia se passado lá dentro.
Ela só soube relatar a intensidade de suas lágrimas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Comovido, o rei
entregou-lhe a chave do patamar e pediu-a em casamento. Explicou-lhe que aquele
quarto era o profundo de sua alma. Lá estava sua solidão. A pessoa que se sentisse
próxima a essa solidão seria a pessoa que estaria próxima dele. Nessa hora,
Barbazul entregou o coração à moça, dizendo-lhe: “Amo-a por ter amado minha
solidão... Nossas solidões são companheiras”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Barbazul, a moça, a
solidão. Para mim, esse é o verdadeiro amor: a companhia mútua de duas almas
solitárias. Amigos, família, festas, obrigações... tudo faz parte da vida. Mas
é ela, a solidão, aquilo que, quando compartilhada, torna duas pessoas um único
ser. Dois corações distintos, uma única solidão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quem sabe o que é
compartilhar a solidão de uma alma, sabe o que é compartilhar o amor. Amar
talvez seja essa busca e o encontrar de um coração que se comoveu com aquilo
que a primeiro momento não passava de um violoncelo, de um músico, de uma
música. Amar talvez seja tocar o fundo de uma alma que se contorce na solidão
da vida. Amar talvez não seja nada mais do que o comover. Mover junto, dançar no
mesmo ritmo. Chorar com a canção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Talvez por isso se ame
tão pouco, ou talvez seja por isso que não se ame nunca. Barbazul e a moça são
apenas uma estória. No mundo da vida que acontece debaixo dos nossos pés talvez
isso seja impossível. Cada um aparece e logo se vai. A música foi bela, o
músico era excelente, o violoncelo de uma afinação exemplar. Tudo era
agradável. Mas... comoção? Não para tanto. Chorar no escuro? Infantilidade.
Solidão? Só para quem é depressivo. “Pode ir... você não compreendeu o que era
meu último patamar!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Assim os dias se
passam. Pessoas vêm, pessoas vão. Eternamente o violoncelista continua a tocar
a canção. São muitos rostos, muitas faces atentas à execução da música. A
cadeira, entretanto, continua vazia. Não há quem se sente e fique a contemplar
a escuridão, a comover-se com a canção, a chorar no escuro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Barbazul poderia ter
chegado a pensar que tudo não se passa de ilusão. Que sua solidão era por
demais profunda para que uma moça um dia a compreendesse. Ou, talvez, que ele
mesmo era um miserável, um romântico em anacrônica decadência. Talvez ele
realmente seja tudo isso que chegou a pensar. E eu creio que ele realmente
seja. Mas... ei-lo a tocar a canção...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Na estória, o rei
encontrou quem o compreendesse. Eu cá seria muito feliz se alma sensível por tal
poesia fosse tocada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não me esqueço, porém,
que ainda sou jovem e o verde de minha curta vida ainda não embotou. A
primavera ainda está em flor... Que me dirá os invernos de meu futuro? <sub><o:p></o:p></sub></span></div>
</div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-988017123130410572012-09-19T20:21:00.000-03:002012-09-19T20:24:55.737-03:00Do dia em que vivi por estar morrendo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="text-align: justify;">
<b>Niterói, 19 de setembro de 2012</b></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Restava-nos 20
minutos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Disse-lhe que acenderia
um cigarro e sairia para a varanda observar o espetáculo antes de morrer. Não
poderia me esconder simplesmente. Se estava prestes a acontecer, não perderia
por nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Desligamos os
celulares. As últimas palavras de meu amigo foram: “Ah, liguei só para me
despedir, caso algo aconteça”. As minhas foram: “Se acontecer, amigo, saiba que
o amo”. Era recíproco o sentimento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não julguem por simples
o acontecimento. Era um evento cósmico. Uma mistura de asteroide com colisão da
lua com a Terra. Não tente entender, pois não é científico, nem tampouco
lógico. Mas era urgente, era imperioso, era falso. Só o que existia era a
imaginação. E, por fazer parte de mim, durante alguns minutos o mundo realmente
acabou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Lembrei-me de
Montaigne. A morte naqueles instantes já não era algo terrível. Porém, não era
também desejável. Era apenas algo a se esperar tranquilamente, sem medo, ao som
de uma música que toca a alma, ao sabor da fumaça de um cigarro. A natureza
quis assim: quis que a máscara mortuária fosse mais bela do que as quimeras de
nossa imaginação decadente. A natureza se encarregou de meu medo. Já não havia
nada a ser feito, a não ser esperar, apreciando os choques cósmicos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Devo dizer que havia em
meus olhos uma lágrima nascente. Estava prestes a chorar. Uma lágrima de
nostalgia... Estava me despedindo. De tudo que me ocorreu, que me trouxe riso
ou lágrimas, tudo haveria simplesmente deixar de existir. Eu deixaria de
existir. Era a hora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Coisas importantes subitamente
tomam conta de nós quando vemos na distância Caronte em seu barco. Desesperados
damos valor ao que antes era trivial. O mundo de pernas pro ar. Não por muito
tempo. A barca se aproxima. E é bom que ela venha. É bela. Quem foi que
inventou a estapafúrdia de que é feio o rosto de Thanatos?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Meu amigo escreveu:
“Adeus dia em que achei que não acordaria, que deprimente fostes, e quão feliz
serias...” Amigo, estávamos realmente felizes. Finalmente vivíamos, mesmo que
em melancolia. Não diria, querido amigo, que deprimente foi aqueles minutos...
antes, nostálgicos. Sentíamos já saudades daquilo que em breve perderíamos. Aí,
então, a beleza que dizes: ao perder a vida, a encontramos. Triste é vivermos
e, por isso, permanecermos mortos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">À Willian Lizardo, companhia por demais elevada, amizade por demais sincera...</span></div>
</div>
</div>
Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-83300381311643425812012-07-24T20:41:00.004-03:002012-07-24T21:01:06.410-03:00Da partida<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<b>Cachoeiro de Itapemirim, 24 de julho de 2012</b><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.tednasmith.com/silmarillion/TN-White_Ships.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="263" src="http://www.tednasmith.com/silmarillion/TN-White_Ships.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Ora, assim vou te perdendo!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Foram-se 3 anos. Três intensos anos! De felicidades e de tristezas; de sorrisos e lágrimas; de paz e de guerra. Alguns términos... o último definitivo. Há meses nos separamos. Muitas coisas aconteceram. Não faltaram lágrimas para me lamentar, mas finalmente eu estou indo e sua imagem se distanciando...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white;">Icei</span> as velas e agora o barco está partindo. Na verdade, ventos contrários o impediram de avançar durante um tempo, mas agora o vento é favorável e o mar está calmo. Ele começa a ganhar velocidade. O porto se distancia pouco a pouco, e seu rosto já não consigo distinguir com tanta clareza.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se está acenando ou não, derramando lágrimas ou rindo, se está silencioso ou eufórico, eu não sei dizer. Porém, agora não importa mais! Só estou aproveitando o bom tempo. E, quando a oportunidade aparece não é sensato perdê-la.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Finalmente, adeus! Não me importa a frieza, nem o que se passa em sua cidade. Seus habitantes não são mais meu povo, nem gosto mais tanto assim de sua comida. Seus problemas agora são só de seus administradores. Não me peça para voltar, porque já estou muito longe e seu porto congestionado por outros barcos. Não mais voltarei...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando, por algum motivo, na distância dos mares revoltos e dos portos misteriosos, eu sentir saudades lhe enviarei amor e luz, mas o caminho vou continuar. O mar permanecerá a frente, esperando ser desbravado. Eu sou apenas um barquinho, mas com velas mais resistentes e casco mais envelhecido.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, eu continuo. Porém, agora sem você... Ficas-te em meus diários, que muito servirão para alegrar os dias de minha maturidade, e, quem sabe, para trazer o calor da saudade dos dias felizes quando eu sentir o frio das geleiras dos lugares longínquos. Somente na história você fica. Que não se entristeça ou se revolte comigo... A história está dentro do meu coração...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Queria apenas dizer adeus, mas sabes o quão floreado sou. Se é assim, adeus, querido porto! Fostes o mais belo até então...</div>
</div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-84704476278788579692012-04-09T21:50:00.000-03:002012-04-09T21:50:26.673-03:00De Marquês de Sade II<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niteroi, 09 de abril de 2012</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Como dito na postagem anterior, a presente postagem faz referência ao diálogo do preceptor libertino Dolmancé com sua aluna, a jovem Eugénie. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>EUGÉNIE</b>, <i>à senhora de Saint-Ange</i> - O quê?! Será verdade, doce amiga, que a existência de Deus é uma quimera?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>SAINTE-ANGE</b>- E das mais desprezíveis, sem dúvida.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>DOLMANCÉ</b> -Só perdendo os sentidos para acreditar nisso. Este abominável fantasma, Eugénie, fruto do terror de uns e da fraqueza de outros, é inútil ao sistema da Terra. Ele o prejudicaria infalivelmente, visto que suas vontades, que deveriam ser justas, jamais poderiam aliar-se às injustiças essenciais às leis da natureza; desejá-lo em compensação do mal que serve às suas leis; visto que deveria agir sempre, e a natureza, cuja ação perpétua é uma de suas leis, só poderia encontrar-se em concorrência e em oposição perpétua a ele. Mas, dir-se-á a este propósito, Deus e a natureza são a mesma coisa. Não é um absurdo? A coisa criada ser igual ao criador? Pode um relógio ser igual ao relojoeiro? A natureza não é nada, prossegue-se, é Deus que é tudo. Outra bobagem! Há necessariamente duas coisas no universo: o agente criador e o indivíduo criado. Ora, qual é este agente criador? Eis a única dificuldade que é preciso resolver, a única pergunta que é preciso responder. Se a matéria age, move-se por combinações que nos são desconhecidas, se o movimento é inerente à matéria, se apenas ela pode, enfim, devido à sua energia, criar, produzir, conservar, manter, equilibrar nas imensas planícies do espaço todos os globos cuja vista nos surpreende e cuja marcha uniforme, invariável, enche-nos de respeito e admiração, qual então a necessidade de buscar um agente estranho a tudo isso, já que esta faculdade ativa se encontra essencialmente na própria natureza, que não é outra coisa senão a matéria em ação? Vossa quimera deífica esclarece alguma coisa? Desafio a quem possa prová-lo. Supondo que eu me enganasse sobre estas faculdades internas da matéria, só teria diante de mim uma dificuldade. O que fazeis oferecendo-me o vosso Deus? Vós me criais uma dificuldade a mais. E como quereis que eu admita, por causa daquilo que não compreendo, algo que compreendo menos ainda? Será mediante os dogmas da religião cristã que irei examinar... que irei me representar o vosso Deus terrível? Vejamos um pouco como ela mo descreve... O<b> que vejo no Deus desse culto infame senão um ser inconseqüente e bárbaro que cria um mundo hoje de cuja construção se arrepende amanhã? O que vejo nele senão um ser frágil que jamais consegue dobrar o homem à sua vontade? Tal criatura, embora emanada dele, domina-o; ela pode ofendê-lo e merecer por isso eternos suplícios! Que Deus mais fraco esse!</b> Como? Pôde criar tudo o que vemos e lhe ser impossível formar o homem a seu modo? Mas, argumentareis, se ele o tivesse criado assim, o homem não teria tido mérito. <b>Que baixeza! </b>E qual a necessidade dele merecer algo de seu Deus? Se o tivesse criado totalmente bom, ele jamais teria praticado o mal, e só então a obra seria digna de um Deus. É tentar o homem lhe deixando escolha. Ora, em sua presciência infinita, Deusa sabia qual seria o resultado disso. Logo, a partir desse momento, é com prazer que perde a criatura que ele mesmo formou. <b>Que Deus horrível esse! Que monstro! Que celerado mais digno de nosso ódio e de nossa implacável vingança!</b> Entretanto, pouco satisfeito com uma tarefa tão sublime, ele afoga o homem para convertê-lo, queima-o, amaldiçoa-o. Nada disso modifica-o. Um ser mais poderoso que esse Deus vilão, o <i>Diabo</i>, conservando sempre seu império, podendo sempre afrontar seu autor, acaba sempre pervertendo, com suas seduções, o rebanho que o Eterno reservara para si próprio. Nada pode vencer a energia desse demônio sobre nós. O que então, segundo vós, concebe o Deus horrível que pregais? Ele só tem um filho; um filho obtido não sei de que comércio; pois, se o homem fode, quis ele que seu Deus também fodesse. Destaca do céu esta considerável porção de si mesmo. Imagina-se que, talvez, sobre raios celestes, em meio ao cortejo dos anjos e à vista de todo o universo esta criatura sublime vai aparecer... Nada disso: <b>é do seio de uma puta judia e no meio de um chiqueiro que anuncia o Deus que vai salvar a terra!</b> Eis a origem digna que se lhe atribuem! Mas sua honrosa missão nos indenizará? Acompanhemos a personagem por um momento. O que diz, o que faz? Que missão sublime recebemos dele? Que mistério vai revelar? Que dogma nos prescrever? Enfim, em que atos sua grandeza vai eclodir?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Vejo, em primeiro lugar, uma infância desconhecida, alguns serviços, sem dúvida bem libertinos, que o fedelho presta aos padres no templo de Jerusalém. Em seguida, desaparece por dez anos, período em que o safado se envenena com todas as fantasias da escola egípcia que leva para a Judéia. Mal ele reaparece, eclode sua demência para fazê-lo dizer que é filho de Deus, igual a seu pai. A esta aliança associa outro fantasma a que chama de Espírito Santo, a essas três pessoas , assegura, devem formar apenas uma! <b>Quanto mais este mistério ridículo espanta a razão, mais o patife assegura haver mérito em adotá-lo... e perigo em aniquilá-lo.</b> Foi para nos salvar a todos, garante o imbecil, que ele se encarnou, embora sendo deus, no seio de um filho dos homens. E os estrondosos milagres que o vêem realizar convenceram logo o universo inteiro! Com efeito, numa ceia de bêbados, segundo dizem, o vigarista transforma água em vinho; num deserto, alimenta alguns celerados com provisões escondidas que seus sectários preparam; um de seus camaradas finge-se de morto e nosso impostor ressuscita-o; ele vai para uma montanha, e, diante de apenas dois ou três amigos, faz uns passes de mágica que fariam corar o pior saltimbanco de nossos dias.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Aliás, amaldiçoando com entusiasmo todos os que não acreditam nele, o tratante promete o céu aos imbecis que o escutarem. Ele nada escreve, devido à sua ignorância; fala muito pouco, devido à sua estupidez; faz menos ainda, devido à sua fraqueza. Deixando por fim os magistrados impacientes com seus discursos rebeldes, embora raríssimos, o charlatão se faz crucificar, após assegurar ao seu séquito de vadios que, a cada vez que o invocarem, descerá entre eles para distribuir comida. Supliciam-no, ele não reage. O senhor, seu papai, o Deus sublime de quem ousa dizer descendente, não lhe presta menor auxílio, e o patife acaba sendo tratado como último dos celerados, dos quais era tão digno de ser o chefe.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Seus satélites reúnem-se: “Estaremos perdidos, dizem, e todas as nossas esperanças dissipadas, se não encontrarmos um modo brilhante de nos salvar. Embriaguemos a guarda que cerca Jesus; roubemos seu corpo e divulguemos que ele ressuscitou. É u meio seguro. Se com essa tramóia conseguirmos convencer, nossa nova religião encontrará apoio e propagar-se-á. Ela seduzirá o mundo inteiro... Mãos à obra!” O golpe é dado e triunfa. A quantos vigaristas a astúcia não teve o lugar de mérito?! O corpo é retirado; os tolos, as mulheres, as crianças gritam o mais que podem que foi um milagre! Entretanto, nesta cidade tinta do sangue de um Deus, ninguém acredita nesse Deus, e nenhuma conversão aí se realiza. E há mais: o fato é tão pouco digno de ser transmitido, que nenhum historiador o menciona. Somente os discípulos do impostor pensam tirar partido da fraude, mas não imediatamente.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(...)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não duvidemos: este culto indigno teria sido irremediavelmente destruído se desde o seu nascimento tivessem empregado contra ele tão-somente as armas do desprezo que merecia. Mas acabaram perseguindo-o, ele cresceu; o meio era inevitável. E se ainda hoje se tentasse cobri-lo de ridículo, cairia. O hábil Voltaire jamais empregou outras armas. De todos escritores, é o que pode se gabar de ter feito mais prosélitos. Numa palavra, Eugénie, eis a história de Deus e da religião. Vede o caso que estas fábulas merecem e determinai-vos sobre o seu custo. </div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-25785346773035192532012-04-09T21:36:00.001-03:002012-04-09T21:36:15.185-03:00De Marquês de Sade I<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niteroi, 09 de abril de 2012</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Esta e a próxima postagem referem-se a um diálogo contido no livro <b>Filosofia na Alcova</b>, do famoso <b>Marquês de Sade</b>. A beleza do texto reside na forma como a realidade é por Sabe esboçada. Com sarcasmo e deboche, nosso Marquês traduz todo o sentimento de algum que observou o Cristianismo sem as lentes da fé, que, nela mesma, é cega. Revolta para os Cristão; alegria para os Ateus.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">"<b>DOLMANCÉ</b> - O que significa esta virtude [a piedade] para quem não crê na religião? E quem pode crer na religião? Vejamos: ordenemos o raciocínio, Eugénie. Não chamais religião ao pacto que liga o homem a seu Criador, e que o engaja a lhe dar testemunho, por um culto, de seu reconhecimento pela existência recebida deste autor sublime?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>EUGÉNIE</b>- Não há melhor definição.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b>DOLMANCÉ</b>- Pois bem. Se está demonstrado que o homem só deve sua existência ao planos irresistíveis da natureza; se está provado que tão antigo neste globo quanto o próprio globo, ele não passa, como o carvalho, o leão e os minerais que se encontram nas entranhas desses globo, de apenas uma produção exigida pela existência do globo e não deve a sua a quem quer que seja; se está demonstrado que este Deus, que os tolos vêem como um único autor e fabricante de tudo o que vemos, não passa do <i>nec plus ultra</i> da razão humana, <b>do fantasma criado no instante em que esta razão não vê mais nada a fim de ajudar em suas operações</b>; se está provado que a existência deste Deus é impossível e que a natureza, sempre em ação, sempre em movimento, tem por si só o que agrada aos tolos lhe dar gratuitamente; se é certo supor que este ser inerte existiu, <b>ele certamente seria o mais ridículo dos seres, visto só ter servido um único dia, e que após milhões de séculos, encontrar-se-ia numa inação desprezível; supondo que existisse, como as religiões no-lo pintam, ele seguramente seria o mais detestável dos seres, já que permitiu o mal sobre a terra, enquanto sua onipotência poderia impedi-lo</b>; se tudo isso estivesse provado, como incontestavelmente está, crede então, Eugénie, que a piedade que liga o homem a esse Criador imbecil, insuficiente, feroz, desprezível, seria uma virtude absolutamente necessária?"</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-3380647228855457832012-03-04T17:51:00.003-03:002012-03-04T18:04:59.098-03:00Do Melancolia<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 03 de março de 2012</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que você faria se lhe restassem apenas 5 dias de vida?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Isso é o que reverbera dentro dos meus ouvidos já no início da segunda parte do filme <i><span style="color: #cc0000;">Melancolia</span></i> do <i>Lars Von Trier.</i><br />
<i><br />
</i></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB63kLqQIGqiHhwy8fMx-ZeS1l25j7UU2qz8DLdDnKpv8nUFZrVHKVfMWL1HOw3hhTf-VL9lxSXf1ThjpVhexRAiQfxeNwBcE05383Dk88J4DpzwhAQNyUYRUlu4qw64Prvi24zoZtH2w/s1600/1007925_nl_melancholia_1310563208209.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB63kLqQIGqiHhwy8fMx-ZeS1l25j7UU2qz8DLdDnKpv8nUFZrVHKVfMWL1HOw3hhTf-VL9lxSXf1ThjpVhexRAiQfxeNwBcE05383Dk88J4DpzwhAQNyUYRUlu4qw64Prvi24zoZtH2w/s320/1007925_nl_melancholia_1310563208209.jpg" width="240" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No caso do longa-metragem é o planeta Melancolia que põe os relógios em contagem regressiva. Já na vida fora das telas é a própria Vida que põe nossos relógios em contagem decrescente. Na verdade, nascemos com o relógio marcando nosso fim. Acontece que somos bons em esquecer. Melhores ainda em fingir. Fingimos que o relógio começa a contar no zero e vai crescendo gradualmente. Nos esquecemos que, pelo contrário, quando ele finalmente chegar ao zero, aí não haverá mais esperanças.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Comemoramos aniversários: anos à mais de vida, quando o mais sensato seria comemorarmos anos à menos de vida. Se fossemos lúdicos o suficiente, em todas nossas festas arrastaríamos um cadáver entre os convivas, para que a recomendação dos antigos egípcios não nos escapasse: <i><span style="color: #cc0000;">“Bebe e alegra-te, pois morto serás como este”.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Viver é estar morrendo.<i><span style="color: #cc0000;"> “A primeira hora que nos deu a vida tomou-a de nós”</span></i>, como diria Sêneca. Ou, <span style="color: #cc0000;"><i>“Todos os dias levam à morte: o último a alcança”</i></span>, nas palavras de Montaigne. Não há como evitar, e o não pensar nela não mudará a realidade de sua inevitabilidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que você faria se lhe restassem apenas 5 dias de vida? Onde gostaria de estar? O que gostaria de estar fazendo? Ou lendo? O que gostaria de estar sentindo? Ao lado de quem estaria? O que estaria pensando? Se lhe restassem 5 dias...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;">5</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;"><br />
</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;">4</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;"><br />
</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;">3</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;"><br />
</span></b></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000;">2</span></b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se fosse possível saber o dia da véspera de nossa morte, como no Melancolia, como seria? Como seria esse penúltimo suspiro? Quais seriam as cores do Mundo? Branco, preto, coloridas? Como? É a véspera do Ocaso. Nos 3 dias anteriores conseguiu por em prática seus últimos planos? Por acaso planejou seu funeral? Escolheu as flores e os hinos?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">É Véspera... Não resta muito mais tempo. Essa será sua última noite. A última luz do luar. Os últimos brilhos das estrelas. O último cantar das cigarras. O último banho noturno. O último sexo de madrugada. O último sonho antes do eterno sono. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que você sonharia na Véspera? Sonharia com a vida que passou? Ou, por acaso, com a vida que deveria ter passado? Sonhará com os próximos campos do Paraíso? Ou, com a eterna noite? Se os deuses forem bons, talvez não sonhemos... Suas botas estão calçadas?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="color: #cc0000;"><b>1</b></span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não há como escapar! O Melancolia colidirá com a Terra e não há sequer lugar para correr. Não há como fugir. Ir para onde? Diferente de filmes como Impacto Profundo e Armageddon, no Melancolia não há esperanças. Só há desespero e resignação: ora uma irmã, ora outra. É inevitável. Não há para onde ir. É coisa certa.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">No filme os personagens usam telescópios e cálculos matemáticos na observação do Melancolia. Vigiam-no a cada segundo. Não perdem um único movimento de sua trajetória. Nós, cá, devíamos fazer isso com nosso Melancolia particular. <i><span style="color: #cc0000;">“Tiremos-lhe a estranheza, frequentemo-la, acostumemo-nos com ela, não tenhamos nada de tão presente na cabeça como a morte: a todo instante a representemos em nossa imaginação e em todos os aspectos”</span></i>, tal é a recomendação de Montaigne.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nesse último dia estarei preparado? Quando ver os últimos passarinhos voando no céu, quando ouvir pela última vez aquela sinfonia de Beethoven, quando tomar o último banho de praia, ler as últimas linhas daquele último livro, quando der o último abraço, o último beijo, quem serei eu? Quem é este que de tudo e de todos se despede?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não há mais tempo para perguntas. Restam-me apenas alguns minutos. Os anos giraram sobre si, repassando sobre seus próprios rastros. <i><span style="color: #cc0000;">“O presente já passou e nunca mais poderemos chamá-lo de volta”</span></i>. É nosso último espetáculo. Sentemos num campo de grama verde sob os pés. Tomemos um bom vinho, numa bela taça. Coloquemos as<i> Quatro Estações</i> de Vivaldi, ou, <i>Into the West</i> da Annie Lennox. E fiquemos a admirar. Melancolia vem em nossa direção.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/-gtMNGvGpLBk/TwAbr4MgmGI/AAAAAAAAE04/dqKPlYwki3Y/s1600/Melancholia+end.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="268" src="http://2.bp.blogspot.com/-gtMNGvGpLBk/TwAbr4MgmGI/AAAAAAAAE04/dqKPlYwki3Y/s640/Melancholia+end.JPG" width="640" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Tudo em volta sente a aproximação. A energia acaba. Os animas fogem: tolos, acaso não sabem que não há para onde fugir? A atmosfera é invadida pelo planeta e o ar começa a nos faltar. Uma luz. Uma forte luz. Vivaldi continua tocando.<i> Será que ele passou por isso?</i> Então, é esse o momento. Permita-se uma última olhada ao redor. Tudo em <i>slow-motion</i>. Não mais que alguns instantes. Já é possível sentir o calor do Melancolia. Cada vez maior. Cada vez mais azul. Cada vez mais lindo. (<i>Pode a morte ser tão bela?)</i> Cada vez mais próximo. Cada v...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">(Triste na Morte não é morrer, mas sim nunca mais poder ver tudo que um dia vimos. Nunca mais sentir aquilo que um dia veio ao coração. Nunca mais abraçar aquela pessoa tão especial. Nunca mais sentir aqueles lábios. Nunca mais sentir aquele cheiro. Nunca mais ler aquele livro. Nunca mais saborear aquela comida. Nunca mais ver aquelas paisagens... O que dói na Morte não é estar morto. O que dói é não mais estar vivo...)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #cc0000;">Omnes eodem cogimur, omnium</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #cc0000;">Versatur urna, serius ocius</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #cc0000;">Sors exitura, et nos in aeter-</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #cc0000;">Num exitium impositura cymbae.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">[Todos nós somos empurrados para um mesmo ponto, a urna de todos nós é agitada, cedo ou tarde dali sairá a sorte que nos fará subir na barca para nosso fim eterno.] (Horácio, Odes, II, 3, 25)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #cc0000;">“É incerto onde a morte nos espera, aguardemo-la em toda parte. Meditar previamente sobre a morte é meditar previamente sobre a liberdade. Quem aprendeu a morrer desaprendeu a se subjugar. Não há nenhum mal na vida para aquele que bem compreendeu que a privação da vida não é um mal. Saber morrer liberta-nos de toda sujeição e imposição. (...) Por mim mesmo, não sou melancólico mas sonhador: não há nada de que me haja ocupado desde sempre como dos pensamentos sobre a morte, e até a época mais licenciosa de minha vida, juncundum cum aetas florida ver ageret [quando minha idade em flor vivia sua doce primavera].” </span></i>(Montaigne, Ensaios, Capitulo XIX: Que filosofar é aprender a morrer)</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-63424622195650819632012-02-29T15:45:00.001-03:002012-02-29T15:55:28.028-03:00Dos 3 anos...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niteroi, 28 de fevereiro de 2012</b></div><div style="text-align: justify;"><b><br />
</b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7vhtW9ADzqCwwKWajJJTIjQtSOla6SQu2uKenCUnGA4VVbvVHQoiaE3JJqhFsnMu3uipRpKp3YwnKRPsFkTdRCyqhrWnc44fZh1iVeeE97pPn19nFZw3r2qvpgRBtCq56n4ykbSd8xYM/s1600/Foto0111.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7vhtW9ADzqCwwKWajJJTIjQtSOla6SQu2uKenCUnGA4VVbvVHQoiaE3JJqhFsnMu3uipRpKp3YwnKRPsFkTdRCyqhrWnc44fZh1iVeeE97pPn19nFZw3r2qvpgRBtCq56n4ykbSd8xYM/s400/Foto0111.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Surgiu quando menos esperávamos...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Pode parecer clichê, mas penso que foi amor à primeira vista. Se não, amor à primeira conversa. O local também não poderia ser mais clichê: retiro espiritual de igreja. Digo clichê, pois, onde um filho de pastor haveria de se apaixonar por um filho de diácono? Enganam-se os que pensam que retiro serve para “retirar-se do carnaval”: retiro religioso é retirar-se para um carnaval privado. E, nesse carnaval particular, imerso numa áurea de santidade, surgiu um dos amores mais profanos, execrados, aplaudidos, idealizados, desiludidos, e renascido Amor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Acontece que esse Amor, que até então não sabíamos que era Amor, só pode florescer em 2009. Tal como as frágeis flores que crescem entre as rochas, entre muros, nosso Amor cresceu entre as rochas da família, da sociedade, de nós mesmos. Como somos um casal gay quase clichê, não havia outra saída para essa flor que crescia tão sufocada no solo do Espirito Santo se não plantá-la em outros solos. Decidimos plantá-la no Rio de Janeiro. O sol da tolerância, o adubo de amizades despreocupadas com a orientação sexual e a água descontaminada da religião e do sexismo fizeram com que a planta crescesse e desabrochasse. A cada dia tornava-se mais bela.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Assim chegamos a 2010. Ano do aprofundamento das raízes. O Amor crescia a cada nova estação. No Verão o calor nos consumia, mas sempre arranjávamos algum lago de águas frias para nos banharmos. No Outono nossas folhas caíram. “O inverno está chegando” e era preciso que nossas forças fossem concentradas naquilo que havia de mais essencial. O Inverno chegou, e com ele todo mal tempo. Não havia mais nenhuma folha em nossos galhos. Porém, não julgue estar morta uma árvore só porque lhe faltam as folhas. Dias passaram. Por fim, chegou a Primavera. Com ela veio as cores, o canto dos pássaros, o aroma das flores e a alegria. Quando a primavera chega, quem se lembra do Inverno? Assim foi 2010.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Até que... chegou 2011! Como haveríamos de saber que nesse ano nosso Amor seria sacudido por tantos ventos? Que folhas, caule e raízes seriam abalados? Como filho da Tormenta nosso Amor só trovejou, soprou, inundou, destruiu, aniquilou. Fomos consumidos por nós mesmos. O Amor tornou-se seu próprio inimigo. <i>Antes, que não houvéssemos nos amado!</i> <i>Maldito seja o dia que nos vimos pela primeira vez. Amar? Sofriemento. Amor? Ilusão!</i> O Amor pôs-se em xeque. <i>Quem é você? Por que veio até nós? Por quem nos apaixonamos? Melhor fosse que naquele 28 de fevereiro de 2009 nós tivéssemos nos desencontrado.</i> Dois monstros igualmente insuportáveis. Leão e Escorpião. Não fomos avisados pelos astros que não é possível a harmonia entre signos totalmente opostos? Um, pai do egoísmo; outro, pai da vingança. Quebramos os espelhos, restou-nos a desilusão. Tiramos as máscaras, nos traímos. Um ano onde o anjo foi amordaçado e espancado pelo demônio. Decretaram para nós o término do conto de fadas e nos arremessaram no caótico mundo real. Como haveríamos de suportar? Não suportamos. Primeiro término: Eu. Segundo término: Ele. Neste mundo há lugar para o mocinho e para o bandido: ora eu, ora ele, ora ambos. Vencemos a todos. Na guerra contra milhares fomos vencedores. Na guerra de apenas dois, perdemos. Nadamos, nadamos, nadamos e morremos em nós mesmos. Abrimos feridas em nossos corações. Tentamos cicatrizar, mas por vezes a putrefação já estava avançada. Jorrava sangue e pus. Jorrava nós mesmos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Que eu não seja ingrato. Durante 2011 não estivemos exclusivamente no Coliseu, nos degladiando. Houveram reconciliações, choro sincero, beijos apaixonados, sexo quente. Como todo coisa é seu oposto em si mesmo, o Amor também venceu. Perdões foram concedidos. O sorriso voltou para o rosto. As alianças foram polidas e voltaram para suas casas. Amor: filho da Tormenta e da Calmaria. Amor... todas as coisas, todos os momentos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Finalmente, 2012. O último ano de uma Era, assim nos diz o calendário Maia – ou assim dizem que ele diz. A mistura de Copacabana e Reveillon só podia resultar em juras de amor eterno. Pena que não durou muito. Quinze dias e um término com proporções semelhantes à 2011. Sem chance de volta. O fruto apodreceu e caiu da árvore. Caído ao chão, dado às larvas. Porém, nas histórias extraordinárias algo sempre nos escapa. Dessa vez, uma semente. Assim como é do Amor não ser compreendido, é do Amor as surpresas. Bastou um grão, num solo castigado. Pode ter sido um pássaro, ou uma chuva a espalhar as sementes, como saberei? Mas já bastou. Uma semente: uma conversa. Uma gota de chuva: uma lágrima. Ela brotou nos olhos, rolou pelo nariz e rosto, tentou se agarrar ao queixo, driblou a mão no ar e caiu no solo. Bem no coração, em cima da semente. Como no conto “João e o pé de feijão”, não foi necessário muito tempo até que a árvore crescesse, crescesse e crescesse. Cresceu rápido porque nunca havia deixado de existir.<br />
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</div><div style="text-align: justify;">E cá estamos. Algum tipo de loucura ou obsessão nos une. Um pouco de cada, ou ambos ao mesmo tempo. Quem sabe esses não sejam os verdadeiros nomes do amor? Quem pode dizer? Não eu! Na verdade, quem pode dizer algo do Amor sem antes começar a frase com o “para mim”?! Quem conseguiu separar o Amor da paixão, se é que são coisas diferentes? Quem é capaz de dizer que há Amor e/ou não há Amor?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Até quando dessa vez? Os otimistas dizem: para o resto da vida. Os pessimistas: alguns poucos meses. Como ambos habitam a mesma mente, não há como decidir. Ora somos um, ora somos outro, ora os dois ao mesmo tempo. Não importam as previsões, elas estão além de qualquer observação. Talvez diga-nos algo o único Deus que existe: dizem que ele passa para a gente, mas, penso como Boaz Sommo (Guideon): “Talvez seja o contrário: nós passamos dentro do tempo. Por acaso eu sei? Ou o tempo é que passa as pessoas.”</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Passaremos todos por ele. Esse Amor um dia passará. Todas as coisas um dia morrerão, tal são os desígnios desse Deus. No final, ficará apenas Ele, e sua implacável ira. Mas, diante dele estamos tranquilos. Não pecamos por não tentar. O orgulho não nos seduziu. A distância tampouco aplacou o sentimento. O conhecimento de outros mundos não foi capaz de pôr em esquecimento o mundo que surgiu naquele 28/02/2009. Do mal da resignação não morreremos. Fizemos e continuamos a fazer tudo que esse Deus põe em nossas mãos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Dois filhos da Tormenta. Dois filhos do Amor. Dois universos que ao se encontrarem produzem buracos negros e supernovas. Se há algo que aprendi nesses 3 anos foi que eternamente seremos esses dois seres estranhos um ao outro. Essas duas vidas completamente opostas. Dois rapazes infinitamente complexos. Mas ainda assim desejosos pelos mistérios um do outro. Por esse tesouro escondido que talvez nunca achemos. Não há racionalidade nesse relacionamento. Não estamos juntos por uma questão de mérito. É puramente sentir.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Seguimos sendo eternamente a fusão de fogo e gelo. E, se o gelo pode queimar, somos tudo ao mesmo tempo. Somos um só!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Feliz 3 anos, meu amor...</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-17573304143520551572012-01-27T12:10:00.001-02:002012-01-27T12:11:15.859-02:00Do amor - Vida e Morte<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 26 de janeiro de 2012</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se existe algo que pode fazer com que um indivíduo transite entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, sem que tenha terminado de fato os seus dias, não poderia ser outra coisa se não o Amor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Irmão gêmeo da Vida, irmão gêmeo da Morte, o Amor não é nada além dos dois. Ambos. Ao mesmo tempo. Se pode o Amor dar vida ao mais desbotado dos seres, é também ele quem rouba todas as cores; ele, quem cria zumbis. Pessoas que estão vivas somente pela grande força que é o organismo, mas que em seus corações e em suas mentes nada mais há que torpor. Indiferença. Ausência até da própria dor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se o Amor é libertário, a carta de alforria, ele também sabe ser o carrasco mais cruel, o cadafalso onde morrem todas as esperanças, as alegrias passadas, as incertezas futuras.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se o Amor é o sumo bem, é também seu irmão gêmeo: o sumo mal. Um mesmo ser: duas naturezas, opostas e necessárias uma a outra. Se Amor é Deus, é igualmente o Diabo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se enganam os que pensam que foram as guerras, as doenças, os verdadeiros responsáveis por todas as mortes do passado e do presente. Se enganam, pois a nenhum outro ser, sentimento, ou sei lá isso que é o Amor, foi reservado o trabalho de retirar os homens da terra... Quando não fisicamente, pelos menos existencialmente. Se as pessoas não matam ou se matam pelo Amor – por covardia ou falta de convicção –, elas ainda assim deixam de existir; deixam de sentir.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">É o Amor o bem mais precioso que o homem foi capaz de encontrar. É ele, essa gema preciosa, a sua perdição. Ao alcançar o céu, o homem encontrou o Inferno. </div><div style="text-align: justify;">Do Amor nascem todas as coisas, e, nele, todas as coisas murcham, se apagam, desbotam, definham, desaparecem.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quisera que o Homem nunca tivesse encontrado-o. Que toda sua existência se desse na ciência e na razão. Mas, por um dia ter mordido o fruto do conhecimento, toda sua mediocridade foi-lhe roubada. Em Queda, o Homem tornou-se naquilo que há de mais belo e sombrio na Natureza: ele tornou-se nele mesmo. Esse símbolo, esse fruto do conhecimento que é o Amor aprisionou o homem naquilo que chamamos de “vida mortal”. O Amor trouxe-o à Vida, e, junto com ela, à Morte. Os dois seres indissociáveis. O fruto do conhecimento expulsou o homem do paraíso, da filosofia, restando-lhe, agora, apenas o flerte interminável com o mundo perfeito. Em versos e em prose tenta ele recuperar o paraíso que perdeu.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">É, pois, o Amor tudo o que o homem um dia almejou, mas que ao encontrá-lo, amaldiçoou-se.</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-77201909538744088702012-01-22T21:55:00.000-02:002012-01-22T21:55:02.995-02:00De uns dos mais belos contos que já li<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Guarapari, 22 de janeiro de 2011</b><br />
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<span style="color: #cc0000;">O conto que transcrevo aqui é da autoria de uma mulher que não conheço. Entrei em contato com ele através de minha amiga Maria Erineide. Segundo ela, este conto possui preciosidades para a existência de cada um. Tive que concordar. E, assim como toda coisa boa, esse conto vale a pena ser passado para outras pessoas. Espero que desfrutem, assim como eu desfrutei.</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">"Os interiores são regiões abruptas da alma. Fétidas. Expulsam bom senso e as demais moralidades, servem-se fartamente de suas próprias leis, enlamam-se em misérias e toda sorte de perversões. Cinzentas, avermelhadas, negras, suas variações são múltiplas, suas delicadezas profundas, sua sensualidade quente e rasteira. Os interiores não são para qualquer um. Solitários e úmidos, às vezes, ou cheios de barulho e melancólicos quando sofridos por qualquer onda de frio. Pacientes, esperam pela mudança que nunca vem, pelos ciclos eternamente a repetirem-se. Porque é dos interiores a mudança que nada muda, o silêncio perpétuo que só na forma de grito se escuta.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As histórias ali são muitas. Contadas e recontadas servem para alimentar sua cadeia interminável de misérias e vãs piedades e inspirar boas condutas ou potencializar as más. Foi assim que em uma pequena vila completamente esquecida e desencontrada, plantada nos interiores do Brasil, ouviu-se dizer de duas mulheres que viviam juntas. Uma era avó e a outra sua neta. A primeira já era mulher havia um bom tempo, contava já os seus sessenta anos, enquanto a segunda apenas começava a trajetória nem sempre fácil de ser mulher. Viviam em casa simples, pequena e mofada. Antiga, a construção nunca mudara e esboçava nos trincos nas paredes as marcas do tempo, na tinta já descascada os humores dos climas quentes daquelas paragens e, no cheiro forte e denso, os sinais de solidão e do esquecimento.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As duas nunca saíam. Nunca tinham visto nada que não fosse a vila onde viviam. A velha lhe decorara os campos secos e as ruas sem árvores, onde as poucas e espalhadas casas se expunham ao sol forte de quase todos os dias ou às chuvas que vinham de vez em quando pelas beiradas. Nunca vira o mar ou outras paisagens, montanhas só as imaginava, metida que estava no meio de toda aquela planície que nunca mais acabava. Só conhecia estradas retas, rios tímidos e acanhadas árvores. Mas não tinha vontade de conhecer outras geografias. A sua lhe bastava. E bastou-lhe tanto que ela agora passava os dias deitada em um sofá que a prima Dinorá trouxera de Paris, todo moderno, cheio de luxos e cores, vindo do exterior, a contrastar com aquele pedaço de vida que se comprazia em descansar sem estar cansada, em olhar para tudo sem olhar para nada. Um interior seco, tão seco como o que a abrigava. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Dona Marina enlouquecera sem que ninguém nunca lhe soubesse propriamente a causa. Ela inclusive parecia mais sã do que todos ao seu redor, mas, ao mesmo tempo, parecia mais louca do que todo um hospício. Desgostara-lhe a vida, era o que diziam as comadres vizinhas, e da depressão e fastio veio a demência, a fragilidade, a enorme dependência, a infantilização quando velha, a humilhação nem sempre percebida, a insegurança de quem nunca esteve onde gostaria. Camas variadas a abrigaram antes de chegar a esse sofá vindo de tão longe, chique e pomposo, muitas delas bastante sujas e ensebadas. Marina quando chegara ao vilarejo, ainda menina, logo caíra nas graças da prostituição, que da capital rapidamente se espalhava rumo ao interior. A mãe pusera-se ensandecida depois que o pai a abandonou por uma dessas mulatas quentes e oferecidas. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nesse meio tempo, Marina tornou-se protegida de uma mulher com excessivo cheiro de perfume barato que era dona de uma escondida e quase imperceptível casa de mulheres que a educou e também a iniciou nos prazeres da vida. Eulália, que assim se chamava a benfeitora de Marina, apresentou à então moça os homens mais abastados da região, políticos da vila e das cidades maiores que a cercavam, padres, advogados, professores, empresários, velhos, moços, artistas, homens vazios e cheios de espírito, homens sedentos de amor e outros sequiosos de vícios. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por um dos tantos homens apaixonou-se, já sabendo que essa seria a grande desgraça da sua vida. Ela ia por essas épocas com vinte e tantos anos e era ele da mesma idade. Grávida e abandonada, Marina continuou vivendo sob os favores de Eulália e continuou trabalhando enquanto pode, mesmo com todos os riscos. Muitos anos depois, viu escorrer-lhe por entre os dedos a filha que, assim como ela, seguira o mesmo destino. Muitos ao comentar o episódio diziam que não podia ser diferente já que ainda na barriga da mãe a filha já escutava os gemidos dos prazeres forçados e o cheiro dos ambientes mais libertinos. Fugida com um aproveitador de quinta, a única filha de Marina foi morrer em um desses hospitais que mais parecem cortiços espalhados por esses interiores sem fim, e deixou a neta que agora acompanha a avó miseravelmente ensandecida. Marina prometera para si mesma que a neta nunca teria que se deitar com quem ela não queria, sentindo aquelas barrigas encharcadas de suor, aqueles bafos de pinga barata, aquelas mãos ásperas, aquele gozo doentio e alucinado ou correndo o risco de quem sabe apaixonar-se por homens que nunca a mereceriam de fato. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A neta seria diferente. E realmente fora. Mas como de destino não se foge, a diferença veio lhe ser fatal. Nina desde sempre enfastiara-se daquela cena sem mudanças, de uma imobilidade mórbida, inócua, ofuscada. Quando a mãe a deixara, ela tinha uns dez anos de idade e a avó já alcançava os cinquenta. Nesse tempo já não exercia mais os antigos ofícios e não podia mais contar com Eulália que falecera. Vivia de trabalhos de costura e de ajudas de antigos clientes que fizeram-se amigos por uma razão ou outra. Muitos sempre buscaram em Marina apenas uma companheira que lhes desse conselhos, talvez, essas coisas só sejam acreditadas por corações ingênuos, mas eis que elas existem, e muitos dos amigos de Marina até hoje a ajudavam em troca de pequenas palavras que lhes provocavam grandes efeitos na alma.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os primeiros dez anos passaram-se assim muito bem. Até que a avó começou a perder o juízo e ficar naquele estado que há pouco descrevemos. Nesse tempo, a existência compartilhada com uma avó da qual não se podia extrair qualquer tipo de certeza em relação ao estado mental e temperamento, apenas reforçara o imenso tédio que as regiões interioranas causavam a Nina. Alguns fatores, no entanto, atípicos para a solidão e isolamento de sua existência fizeram dela tudo que, por causas naturais, ela não viria a ser. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Marina se devotara à neta, ainda que devotar talvez fosse uma palavra exagerada para seu espírito. Seu devotamento era antes por medo da sua própria solidão do que por alguma espécie de amor maternal. Nunca deixara que a menina trabalhasse, ela vez ou outra lhe ajudava com algum serviço de costura, mas seus planos para a neta eram outros e, por incrível que pareça, justificando o fato de que às vezes ela parecia mais dentro do seu juízo do que muita gente ao seu redor, quando se tratava de questões relativas à neta, Marina era de uma racionalidade invejável. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um dos amigos mencionado anteriormente ficou incumbido da educação da Nina. Era ele um professor que Marina conhecera quando ele era ainda muito jovem e viera a ela em uma noite chuvosa e morna pedir-lhe conselhos em relação ao primeiro amor, tomando-a como mulher experiente como ele achava que era ela. De espírito vasto, aberto para a poesia e para as demais liberdades da arte, Bento, assim se chamava, lera muito, conhecia música, literatura, sabia grego, latim, e sua índole aventureira estava ávida por transmitir seus conhecimentos a uma nova aluna. </div><div style="text-align: justify;">Nina ia por esses tempos lá pelos vinte anos, enquanto Bento já contava quarenta. Mesmo assim, dado ao profundo amadurecimento de Nina, talvez por conjecturas que nem mesmo ela soubesse, e à eterna sensibilidade de Bento, as relações entre os dois iam cada vez melhores e mais próximas, o que logo suscitou comentários na pequena vila onde moravam. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um dos problemas dos interiores é justamente esse. Certos espíritos que, por lances do destino, saem da normalidade medíocre e rasteira dessas regiões estão fadados a nunca se encaixarem nelas e a tornarem-se objeto da prática que mais germina sob esse solos vis e mesquinhos: os mexericos e as fofocas. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas Nina não se incomodava com eles. Fria e resoluta, sugava os conhecimentos de Bento, como a terra suga toda a água que sobre ela paira, e não era só os conhecimentos do professor que ela tomava para si. Arrastava como serpente os olhos negros, os lábios finos de dentes já amarelados, a barba por fazer, os fios de cabelo branco que se misturavam aos negros cada vez mais raros. Fazia com que todo ele se fosse perdendo dentro dela em um misto de feitiçaria e amor, amor que ela não sabia se sentia e não saberia nunca, mas que ele tão bem conhecia por uma vida regada de prazeres, mas nunca assim tão puro, tão inteligente e tão vicioso ao mesmo tempo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nos intervalos das aulas, um dos passatempos preferidos de Nina era sentar-se em um sofá em frente à avó, que como dissemos arrastava seus dias de loucura estirada sobre a luxuosa peça francesa, abrir algum livro que atualmente estudava com Bento e simplesmente ficar ali lendo, de vez em quando elevando os olhos das páginas em direção à avó. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Esta soltava de vez em quando um morno comentário do tipo, “gosta de ler não é Nina, ah se eu pudesse ler também, mas não gosto, nunca gostei. Mas ela gosta, como gosta”, e dizia como se conversasse com alguém além delas duas, isoladas pelas paredes velhas daquela sala. Depois, distraidamente, voltava a perguntar, “que livro é esse que está lendo”, Nina respondia o nome do título e logo perguntava se a avó queria ouvir um trecho para distrair a cabeça. A outra tacitamente dizia que não. “Nada de histórias, quem gosta de histórias são as moças, eu já estou velha e já tenho as minhas”.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Então me conte algumas”, dizia Nina com o espírito curioso que sempre tivera. “Não, não, nem vale a pena, aliás, nem sei se eram minhas”. Nina então voltava para suas páginas como se quisesse fugir da intensa falta que brotava do olhar de Marina. Seus olhos castanhos eram de um vazio quase infinito e neles Nina não conseguia enxergar nada, sequer uma tristeza, um ódio. Nada.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas uma coisa interessante acontecia todas as vezes que ela começava a ler, somente riscando as linhas com os olhos. A avó fechava os olhos, coisa que quase nunca fazia, e, no seio do silêncio que se instalava entre as duas, profundo e interminável silêncio, interrompido apenas pelo virar das páginas do livro, a avó parecia viver aquela mesma história que os olhos de Nina percorriam. E ela então via uma revoada de pássaros, imensa, migrando de um ponto a outro, atravessando um imenso mar, deleitava-se em uma praia comendo as frutas mais deliciosas que alguém poderia encontrar, se isolava no meio da floresta e compunha cantigas, velhos poemas esperando que alguém lhe viesse resgatar, e ela era uma heroína que jurara nunca amar, e ela era enfim uma cortesã que amava todas as noites. E ela se lembrava de seus dias de glória, da sua juventude, das suas formas firmes, do seu olhar castanho e dilacerador, ela se lembrava dos homens, dos presentes, dos nojos, dos calafrios, e dos delírios, dos vícios, dos perfumes, do perfume de Eulália, dos cheiros, das danças, do calor, do quarto quente, dos lençóis manchados de sangue, do sangue, da filha, do amor, do sangue… </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E Nina fechava o livro e Marina enfim deixava de lembrar. Os olhos se abriam e quando Nina os olhava, ali continuava sem existir nada, e a transformação que há pouco se desenrolara a neta nunca viria a saber, a descortinar, pois, por vontade do destino, seus olhos estavam sempre imersos na página, dentro de outras paisagens, olhando pra baixo enquanto a avó olhava para dentro de si mesma. E os olhos de Marina só se fechavam para dentro de si, quando os olhos da neta também se fechavam dentro de mais aquela história, de mais um daqueles livros tão desinteressantes para Marina, tão necessários para Nina e, no entanto, desencontrados os olhares, as duas viam ao mesmo tempo, as duas iam para o interior. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">As relações entre Nina e Bento iam cada vez mais entrelaçadas feito uma corda cheia de nós, virada sobre si mesma da qual não se consegue desvencilhar, para a qual é perigoso muito olhar sob pena de cair em qualquer tipo de tentação. Uma corda que às vezes se converte em cobra, que se enrola em volta de seu pescoço disfarçando ser enfeite enquanto na verdade apenas prepara o bote. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nina aprendia, aprendia muito. Lia durante o dia, tocava piano durante a noite, dançava em horas vagas, pintava aos domingos, aprendia tudo com Bento que, cada vez mais apaixonado, fazia de sua aluna seu sonho de mulher, seu ideal de poesia, mas, ao mesmo tempo, ia dando a ela as formas de uma incógnita selvagem que quanto mais sabia do mundo, mais se sentia dona de si, independente dos homens, realizando assim o obscuro desejo de Marina, que sempre quisera que a neta, ao contrário dela própria, valesse por si mesma. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Bento ainda não chegara e Nina lia ao lado da avó. Marina estava do mesmo jeito, seu quadro era tão estável quanto os dias e as noites da vila que a abrigava, não havia vento, não havia diferentes folhagens, nada de novo, a eterna mesma paisagem. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O ritual dos outros dias se repetia quase como uma celebração sagrada. A avó comentava os gostos de leitura da neta, a neta lhe oferecia sua história, mas Marina se guardava para a dela. Hoje, Nina lia a história de uma dama da alta sociedade paulistana que se apaixonara por um homem pobre e abandonara toda a família, incluindo um filho, por amor a ele. No entanto, passada a empolgação dos primeiros anos, o amor do seu escolhido por ela esfriara e o peso de todos os seus sacrifícios, somado à imensa desilusão em ver que o motivo pelo qual ela havia feito tudo aquilo não estava mais diante de si, fizeram com que aos poucos ela fosse enlouquecendo, recolhendo-se dentro dela mesma, até que acabou com a sua própria vida, condenando seu grande amor a dias longos de inigualável tristeza e tortura. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Enquanto Nina lia essa história, Marina, de olhos bem fechados, percorria a sua e revivia a vida desde criança até agora. Repassara todos os natais, os momentos sozinha, pensara na filha, na filha dentro do seu ventre, ouvindo seus prazeres fingidos, ou suas dores gozadas, no amor, na perda que sentira, pensava no excesso de prazeres que nunca lhe trouxera nada, que a fizera assim uma coleção de nadas, pensava nas festas, orgias, em campos de paz, em anjos… </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Terminada a página daquele dia, Nina cerrou o livro e viu que de dentro dele uma velha flor já murcha e gasta pelo tempo deslizara para o chão. Quando se agachou para apanhá-la percebeu que os olhos da avó estavam bem abertos como sempre, mas mais imóveis do que de costume. Aproximando-se um pouco assustada, identificou neles, pela primeira vez em muitos anos, um resto de lágrima que caíra já seca pelo rosto, e viu dentro dele, bem no fundo, bem no interior invisível das pupilas, a história que terminara de ler e reconheceu uma história na outra e percebeu que sua história, mesmo sem querer, fizera Marina lembrar, ser, pela derradeira vez, o que sempre fora, e uma lágrima brotou dos seus olhos igualmente castanhos, que se iniciavam na vida diante da morte. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nina chamou Bento para que providenciasse os preparativos para o enterro. Seria algo simples. Marina deixou sua vida sob uma fina chuva que caía, rodeada por muitos homens e por uma única mulher, Nina. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Um mês depois, a neta de Marina esperava por Bento que a levaria para um baile na cidade grande, próxima da vila. Nina já se fizera mulher com toda argúcia e todo espírito que leituras e arte podem dar a alguém. Não se parecia com ninguém da sua idade, todas as moças eram diferentes dela e falavam dela, de sua conduta com Bento, de seu comportamento, diziam: “avó, filha e neta, todas iguais”. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os bailes se sucederam, purpurinas, lantejoulas, luzes, luxos, danças, bebidas, interesses, vaidades, pudores. A beleza de Nina se multiplicava a cada dia e sua angústia diante do eterno marasmo de sua vida se lhe tornava insuportável. Casara-se com Bento que aos poucos foi se lhe tornando tão tedioso quanto era esperado pela diferença de idade. Amava-o e não o amava ao mesmo tempo. Antes chegara até a admirá-lo, mas agora, agora ela não precisava que ele lhe ensinasse mais nada, como o mar enjoado das pedras, ela cansara de bater-lhe frequentemente, de tirar-lhe os pedaços e voltar sempre enfurecida, eternamente, por nada. Se a avó soubesse que todo o conhecimento que proporcionara à neta pensando que ela teria outro destino, melhor, com boas recordações, era, na verdade, para ela como um abismo que a puxava para baixo, tirando-lhe todo o ar, sufocando-a naqueles interiores secos e selvagens que transformavam toda filosofia e arte em erva daninha e reduziam as almas mais elevadas a pó, não teria deixado a neta abrir sequer um livro, e também ela não teria se salvado. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Depois de casados, eles se mudaram da antiga casa onde Nina vivia com a avó, mas Nina quis levar o sofá onde Marina morrera e onde passara tantos dias deitada. Certo dia, não suportando olhar para o espírito do marido e indignada do que lhe vinha sendo feito dela própria, esfarelada por aquele interior seco e inóspito, lhe pediu que ele lesse a história da dama paulistana em silêncio ao seu lado, e que ficasse concentrado na história, sem olhar para ela. Nina fechou os olhos, mas não se lembrou de nada. Qual era sua história? O que ela havia vivido, o que ela teria esquecido? Nada."</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-42276169467737634802011-12-11T19:25:00.000-02:002011-12-11T19:25:14.813-02:00Do Amor – Sobre Póros e Pênia<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 11 de dezembro de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Falemos sobre o Amor. Hoje... sobre Póros e Pênia.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“ – E quem é seu pai – perguntei-lhe [Sócrates] – e sua mãe?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">-- É um tanto longo de explicar, disse ela [Diotima]; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Póros (Recurso). Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pênia (Pobreza), e ficou pela porta. Ora, Póros, embriagado com o néctar – pois o vinho ainda não havia – penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pênia então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Póros, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Eros (Amor). Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Póros e de Pênia foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Sendo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e energético, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem moral, e no mesmo dia ora ele germina e vivem quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância.” (O Banquete – Platão, 203a – 204a)</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">Filho do excesso e da carência, Eros, Deus grego, o mais sublime e misterioso dos deuses...</span></div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-83859190899618892712011-10-13T21:49:00.000-03:002011-10-13T21:49:05.755-03:00Do amor correspondido<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 13 de outubro de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Existe algo que as história de amor tragicamente encerradas não nos contam. Existe algo que os amores impossíveis não nos ensinam. Existe algo na separação precoce de dois amantes que não vemos: o quanto um amor realizado pode transformar uma vida!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não falo de deixar de deixar de fazer isso ou aquilo, mas de ser-se, de viver. Viver uma vida completa – no sentido “aquele que decidiu viver com alguém, está vivendo” –, cheia da presença daquele que a torna o que ela é. Portanto, uma vida que é. E é ela mesmo. Uma não de procura, mas de gozo, com a solidão transfigurada em companhia.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIOyNw0bAHBu6JiP0z_8q2CmJcIjbb-Qo3wnhxwQeOh6iNLAkcFP7NZCHfiCpPcNtznmyeqF0ZFcU6VyYZzvifKSkM9AgHm2_qWAePa5LpOZkVEEqgRNglqaWgGKySPrTP3zewTgmhEE0/s1600/ps_i_love_you_01.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIOyNw0bAHBu6JiP0z_8q2CmJcIjbb-Qo3wnhxwQeOh6iNLAkcFP7NZCHfiCpPcNtznmyeqF0ZFcU6VyYZzvifKSkM9AgHm2_qWAePa5LpOZkVEEqgRNglqaWgGKySPrTP3zewTgmhEE0/s320/ps_i_love_you_01.jpg" width="218" /></a>Uma vida que se é. Não que deixou de ter ou de ser. Uma vida que não precisa de palavras para dizer o que se é, pois ela já é, e sendo, não há nada a se acrescentar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Muito se escreve – e eu sou daqueles que gosta disso – sobre os amores não correspondidos, ou não vividos. Já foi dito que deles são as páginas dos livros e eu hei de concordar. Mas, qual o por quê? Talvez, porque os amores correspondidos consomem tanto os amantes que nada deles sobra a não ser a vida em que vivenciam esse amor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Do amor creio que nenhum homem conseguirá um dia dizer tudo. Mas é exatamente por isso que escrevemos. E talvez, se assim fazemos, talvez nos falte um pouco mais de viver a vida.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por isso, termino! Se o amor trágico enche as páginas dos livros, pode ser que eu prefira deixar as palavras para o caminho que passa por debaixo dos meus pés e daquele a quem amo. Se um dia forem apagadas, depois da morte, do que me importa?</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-47612286621430009642011-09-17T20:14:00.001-03:002011-09-17T20:14:58.077-03:00Da "a selva e o mar"<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><b>Niterói, 17 de setembro de 2011</b><br />
<br />
Muitos poemas e textos de Rubem Alves já li. Mas este que trago aqui tem um sabor diferente...<br />
<br />
Dedico ao meu amor, Raither: em nós dançam a selva e o mar.<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;"><b>A selva e o mar</b><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Vou contar uma estória de separação,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Todo separação é triste. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela guarda memória de tempos felizes<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">(ou de tempos que poderiam ter sido felizes...).<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E nela mora a saudade.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">A saudade ficou no rosto de uma criaça,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">partida entre dois lugares,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e o seu corpinho se estendia<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">de viagem a viagem,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">entre a casa do pai e a casa da mãe,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;"> esticado, querendo fazer uma ponte imensa<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que juntasse de novo<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">aquilo que a vida separara.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E ela ficava a se perguntar: Por quê?<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E é por isso que conto,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">para ajudar a entender...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Sua mãe nasceu no mar<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e era, inteirinha, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">amor ao mar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ah! Você que saber<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">o que é o amor...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Amar é querer trazer para bem perto<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">aquilo que está longe,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">abraçar, esforço de pôr dentro<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">aquilo que está fora,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">beber, com prazer, aquilo que fez<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">os olhos sorrir.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Pois é: ela bebia do mar<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">tudo o que via,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e o mar nela morava<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e ela o mar namorava: <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">a imensidão azul mistério,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">as coisas que viviam nas suas funduras:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">corais vermelhos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">algas verdes,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">peixes de cores brilhantes,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">icebergs branco-gelados<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">de mares não vistos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">músicas silenciosas de catedrais encantadas.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim era o corpo da jovem.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Você acha estranho?<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Pensava que o corpo era feito de carne,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">de sangue e de ossos?<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Puro engano.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Nosso corpo é feio daquilo<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que o amor pôs lá dentro.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E onde o amor quis, mas não pôde,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ficou um vazio,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que é onde mora a saudade...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Assim era o corpo daquela jovem,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">quase menina:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">havia os sons acolhidos<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">por seus ouvidos, barulhos de ondas,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">um paciente ir e vir sem fim<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">como a vida...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Odores de coisas marinhas<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">entravam lá dentro<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">pelas narinas pulsantes<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e faziam bem a lugares ocultos;<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">perfumes azuis de marolas<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e aromas de pérolas brancas...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">(Você já sentiu isso, o bem<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que um perfume faz, num lugar de dentro da mente<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que a gente nem sabe onde fica?)<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Sua pele brincava com a água<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e se arrepiava toda <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">quando a brisa lhe fazia cócegas.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E em seus olhos se viam gaivotas de brancas asas<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e barcos a vela ao vento.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Quem lhe ouvisse o coração bater<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">juraria que eram ondas...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Seus seios, conchas lisas que abrigavam<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">criaturas macias.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Seu ventre, lugar de mistérios, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">como a vida secreta do mar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">caverna escura onde nadavam peixes minúsculos<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e invisíveis sementes ficavam à espera.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas havia uma coisa que ela não podia entender:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">era uma tristeza,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">suave,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">nostalgia.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Não lhe bastava o mar infinito.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Havia os Vazios,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Desejos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ausência imensa,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Saudade de algo que lhe faltava.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E ela sonhava com coisas longínquas,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e as amava:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">o mar e a selva se encontrassem<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e o azul e o ver se misturassem.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela amava o mar que nela morava,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e a selva, ausência,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">pedaço que lhe faltava.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E cantava o nome de seu amado:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">“Os bosques são belos, sombrios,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">fundos...” (Frost).<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Seus olhos se voltavam então<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">para o alto das montanhas, ao longe,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e viam as silhuetas de árvores<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ao céu, e imaginavam<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">belezas e mistérios diferentes<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">daqueles do mar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E amava a floresta<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">com que sonhava.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Seu pai nascera no meio da selva<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e o seu corpo crescera<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">com árvores velhas de muitos anos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">frutas silvestres de muitas aves,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">musgos macios de muitos verdes,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">borboletas de asas de muitas cores,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">aves de vozes de muitos cantos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">grilos ocultos em muitas noites,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">correntes de águas de muitas pedras,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">flores silvestres de muitos cheiros,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">terra macia de muitos brotos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">vidas que renascem de muitas formas...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ah! Assim era o seu corpo.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">“E como ele se entregava!<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Amava seu mundo interior, caos selvagem,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">bosques antiqüíssimos, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">sobre cujo silencioso despertar verde-luz<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">seu coração se erguia.” (Rilke).<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas ele também tinha<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">um sentimento triste, vazio,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">doía-lhe o lugar da Falta.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E quando o sol<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">se punha sobre o mar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ele sentia<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">uma nostalgia imensa.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Como se a floresta<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">não lhe bastasse,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">o desejo por algo<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">belo-distante,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ausente.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E, da sombra<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">verde das árvores, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">olhava a luz azul do mar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">solene no horizonte,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">brincalhão na areia,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e desejava mergulhar nele,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e pensava que a felicidade é isto:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">a selva penetrando no mar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Um dia os dois<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">se encontraram,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">se amaram,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">a floresta mergulhou no mar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">o mar abraçou a floresta,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">suas sementes se misturaram<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e uma criança nasceu...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e ela tinha no seu corpo<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">um pouco de mar<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e um pouco de selva...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ah! felicidade maior <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">não poderia haver,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e até pensaram que seria eterna...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Foram morar lá em cima,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">no lugar do Pai,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">os três.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Felizes...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">O pai, no seu mundo verde,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">velho amigo, conhecido.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">A mãe, no mundo verde,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">mistério com que sempre<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">sonhara e desejara.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">A criança, feliz,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">por ser selva e ser mar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas o tempo passou<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e a felicidade acabou.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">No peito da jovem<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">foi crescendo uma dor.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Primeiro era saudade mansa<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que virou tristeza:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e a floresta, tão bela de longe,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">virou prisão...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E o jovem que tanto amara<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ficou estranho, gigante verde,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">senhor da floresta,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">seu carcereiro.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ah! Ela já não podia amar a selva<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e sua face se transtornou.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E o mar que morava nela ficou sinistro,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">uma tempestade enorme<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">cresceu por dentro, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e no seu rosto quebraram ondas<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">em cuja fúria até mesmo a criança<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">se debatia. E a jovem virou tristeza<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">por se ver assim, tão feia.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">(É preciso que você saiba disto: <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">nós amamos as pessoas<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">por aquilo de belo que elas fazem <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">nascer em nós.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Como se fossem espelhos.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Se nos vemos belos<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">naqueles olhos que nos contemplam,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">nós as amamos.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas, se nos vemos feios, as odiamos...)<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E ela então compreendeu que, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">por belas que as matas fossem,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ela seria sempre uma estranha,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">exilada, sem lar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E foi o que disse ao seu companheiro,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que a entendeu<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e disse que não importava.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Viveriam à beira-mar<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">para que ela reencontrasse<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">a felicidade perdida.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E assim aconteceu.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">A alegria voltou.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas o tempo passou<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e a saudade chegou<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">agora ao peito do jovem,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">onde a solidão foi crescendo,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">tristeza de quem vive em degredo,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">prisioneiro de ilhas cercadas de mar sem fim.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E a jovem que ele tanto amara<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">se transfigurou num mar de tristeza,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ondas que repetiam<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">de noite e de dia,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">sem parar:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">“Nunca mais, nunca mais...”<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E a floresta que morava nele<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">se enfureceu,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e acordaram bichos sinistros,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que dormiam nela,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">cobras e escorpiões,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e aflorou tudo naquele rosto<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">outrora manso,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e ele ficou sinistro,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e havia fogo no seu olhar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e espinhos cortantes no seu falar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E ele chorou ao ver o espanto<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">nos olhos da sua criança,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">espelhos tristes,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e sentiu que já não era o mesmo, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e nunca o seria,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">longe da selva,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">que era o seu lar.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E então compreenderam que,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">para continuar a ser belos,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">era preciso que o mar e a floresta<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">fossem verdadeiros consigo mesmos<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e morassem nos seus lugares.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E assim viveram, longe:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">a jovem, à beira-mar, saudosa da floresta,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">o jovem, na floresta, com saudades do mar...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E é por isso que as pessoas se separam,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">por mais que isso as dilacere,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">para ficarem bonitas de novo<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e voltarem aos mares e florestas perdidos...<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Cada separação é uma busca<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">de um amor que se perdeu:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">em cada partida, um desejo de reencontro.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Quanto à criança, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">diziam os outros, que nada sabiam:<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">“Não tem onde morar...”<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ignoravam os mundos onde vivera<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e que no seu corpo pequeno moravam<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">um mar e uma selva.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">E se ora estava com a mãe, à beira-mar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">ora com o pai, na floresta,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">não é que um lar lhe faltasse.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">Ela era mar,<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">era floresta, <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">e podia sentir-se em casa<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin-left: 36.0pt; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">onde quer que estivesse."</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman', serif;"><o:p></o:p></span><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;"><br />
</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-family: 'Helvetica Neue', Arial, Helvetica, sans-serif;">(Cantos do pássaro encantado - Rubem Alves)</span></div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-21212630175837335032011-08-28T16:52:00.000-03:002011-08-28T16:52:30.898-03:00Das mentiras<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 28 de agosto de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Há quem consiga mentir. Eu não. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não que seja o mais verdadeiro de todos os homens. Eu simplesmente não sei mentir “direito”. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O ditado passado de avó à neto “mentira tem perna curta” se aplica necessariamente a mim. Posso dizer que não tenho a melhor memória do mundo, e, enquanto se mente, é bom que a memória seja memória de elefante. Dúvidas de que minhas mentiras realmente têm pernas curtas?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não que também eu nasci para a verdade, sendo a verdade é um valor divino ou um imperativo categórico. Eu apenas nasci com pouca memória.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Ou talvez, nasci com uma predisposição de ter prazer no desvelamento das verdades que encubro. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O que Freud falaria disso?</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-41499711379148765252011-07-27T15:07:00.000-03:002011-07-27T15:07:59.440-03:00Da mentira em família...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Cachoeiro, 26 de Julho de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A verdade é que eu sempre quis ter uma família. Tá que vão achar que faço drama, mas no meu coração só eu que o que se passa, e só meu rosto sabe a conta das lágrimas que nele rolam. Por isso, a mim não me importa o que vão pensar. Meu coração está na boca, e cabe a mim fazer o jorrar o sangue para que ele se torne mais leve...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Apesar de tudo, sempre quis ter uma família. Uma família que amasse mais o filho do que a fé. Que amasse mais um ser que nasceu de suas entranhas do que as páginas de um livro, por mais sagrado que ele fosse. Que abraçasse alguém que desejoso está por um abraço mesmo sendo tão diferente.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Sim, quis ter uma família. Não uma família para dizer somente o que faço no dia a dia, mas para dizer quem amei ao longo dele. Uma família não para apenas pedir o dinheiro que não falta, mas conselhos em meio a tantos sentimentos contraditórios. Uma família que não me dissesse que sou um doente, um maluco, um endiabrado, mas antes, me enxergasse como o anjo que sempre tentei ser... embora sem sucesso.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A família que sempre quis ter é uma família que ouvisse o som da melodia que meu coração criava, não os gritos de minha mente formada por outros. Não queria uma família em preto e branco, mas sim uma família de muitas cores, tal com o arco-íris. Uma família onde a folha se encontra em branco para podermos escrever quem quer que somos, e não uma cartilha a ser seguida que não possui opções em que poderia me encaixar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A família que queria ter era uma família onde eu pudesse ser eu, não aquilo que gostariam que fosse. Uma família que abrisse um sorriso ao ver minha verdadeira face, não uma que vira as costas quando me mostro para ela.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não, nunca tive essa família. Não que tenha tido pais horríveis, austeros, intransigentes, fechados, castigadores. Porém, sempre tive pais enganados. Enganados por mim, enganados por suas convicções.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Pais, a culpa não é de vocês e não sou ingrato como costumam dizer. O destino, ou a vida nos levou a isso... a essa separação. Saibam que eu sempre os quis ter por perto, mas, ao mesmo tempo, sempre tive medo de ser negado ou expulso do único lugar que me restava então. Expulso do paraíso, como poderia eu falar algo e ser expulso de casa?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu sempre os quis ter por perto, mas o Deus de vocês me dá, e sempre deu, muito medo (eu mesmo estava com Ele por medo). Vocês dizem que Ele os protege e que cumprirá as promessas que fez, mas na verdade, Ele sempre os protegeu de mim, e a única promessa que cumpriu foi lançar um pecador no inferno de não ser aceito pela família por este ser uma abominação. Eu sempre quis falar, mas a voz do pastor e a cantoria dos irmãos sempre foram mais alto. Como a voz de uma criança poderia ser ouvida? Eu sempre quis ver a beleza das cores de vocês, mas seus amigos pintaram meus olhos de preto e branco, e nunca mais consegui colori-los. Eu sempre quis tocá-los, mais a pele já estava muito endurecida pelos anos cruéis de forma que sentissem meu tímido toque. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Então, a família que sempre quis ter fica guardada no meu coração, com lembranças e saudades de algo que nunca vivi ou senti.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">E agora, despeço-me de Cachoeiro com o coração partido, rachado por dentro e por fora, pois a esperança que me alegrou durante meses foi apagada por cada palavra. Sobraram apenas sons rudes e acordes grosseiros. Vocês com certeza não verão isso em meu rosto, afinal, com os anos aprendia a disfarçar muito bem meus sentimentos. Mas se pegarem este caderno, em que escrevo, verão as páginas molhadas pelas lágrimas que caiam a cada frase.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Talvez num futuro, ou senão em outra vida – se houver –, poderemos dizer que fomos uma família feliz. Mas até lá só poderemos dizer: tentamos ser uma família feliz... </div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com16tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-63959724640916354602011-07-20T22:44:00.000-03:002011-07-20T22:44:41.390-03:00Dos sonhos dos quais quase não se consegue acordar<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 20 de Julho de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Alguns sonhos são obscuros. Diferente daqueles que carregam calor, luz, e bons odores, alguns sonhos são gélidos, escuros, e mórbidos.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nos sonhos bons, quando experimentamos as melhores sensações que o estado onírico nos concede, somos irritantemente acordados por um despertador barulhento, uma voz estridente, ou simplesmente pela clara e carinhosa luz da manhã – apesar de acordarmos maldizendo o amanhecer.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nos maus sonhos, tragicamente, ninguém há que possa nos acordar. A voz não chega aos ouvidos, o despertador está sem bateria, e já se passou muito desde o crepúsculo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nos bons sonhos passei por florestas e campos. No sonho que mais me marcou, passava eu por entre prados bem verdes, cobertos por um céu cinza de outono, sendo lambido por uma brisa que prometia trazer chuva fina.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://thumbs.dreamstime.com/thumblarge_580/1297032334y8e47C.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="http://thumbs.dreamstime.com/thumblarge_580/1297032334y8e47C.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Passando pelos prados, adentrei-me numa fábrica de doces muito colorida. Se me dissessem que estava na Fantástica Fábrica de Chocolate e que em breve veria Oompa Loompas, não teria estranharia. Os Oompas não apareceram, e eu parti da fábrica me sentindo mais doce e mais feliz, porque a vida, em último caso, era um doce. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://pic.leech.it/i/d48ab/341e05e7charlieand.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="http://pic.leech.it/i/d48ab/341e05e7charlieand.png" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Como acontece nos sonhos, passei instantaneamente para o último cenário do sonho que mais me marcou: a floresta. Não uma floresta tropical tal qual temos no Brasil, rica em odores, formas de vidas, e climas simultâneos. Mas, uma floresta de clima temperado, de árvores antigas e de altas raízes, por onde temos a sensação de que veremos sair debaixo dela um hobbit aventureiro, ou veremos Tolkien fumando seu charuto escrevendo mais uma página de sua magnífica obra. Uma floresta um pouco fria e escura, mas na qual eu me adentrava, e cada vez mais inda sentindo calor e percebendo uma luz dourada. Cheguei por fim a uma clareira, cujo chão era coberto de folhas secas, e cujo teto eu não sabia se existia. A clareira foi porque nesse lugar uma forte luz dourada, como aquelas de quando o Sol se põe em dias quente, jorrava para a terra, iluminando todos os micros seres e objetinhos que ficam flutuando no ar, e que só percebemos quando reparamos nos feixes dele. Fiquei encantado com o que vi: um Stonehenge coberto de luz dourada – sobre ele incidia a maior parte dos raios solares. Nesse lugar de um verde escuro muito vivo, de chão de um mar de folhas secas, de um Stonehenge no elevado e banhado a ouro eu guardei a impressão mais forte. No meio de tamanha contemplação fui acordado, certamente por algo ou alguém que eu devo ter amaldiçoado muitas vezes em seguida, apesar de não lembrar hoje do que se tratava. Porém, da impressão não mais fui capaz de afastar. E é ela dela que me lembro quando sonhos como este que contarei agora me perturbam...</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://fc06.deviantart.net/fs33/f/2008/290/7/f/The_Clearing_by_Crossie.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://fc06.deviantart.net/fs33/f/2008/290/7/f/The_Clearing_by_Crossie.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Esse último sonho tive a muitos anos. O que conto agora, tive hoje.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">O ambiente em que estava era o mesmo no qual havia adormecido: meu quarto. E tal como o ambiente lá fora, meu sonho era escuro por conta do Sol ter se posto. Não havia ninguém em casa. Apenas eu, o escuro e o silêncio. Lembro que percorria todo o ambiente com os olhos, ou a mente, mas não me levantava da cama. O que aterrorizava era que a todo o momento eu sentia uma força invisível presente. Não sei quanto tempo fique passeando pelos espaços vazios e escuros com aquela sensação. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">De repente um homem apareceu. Fui tomado de terror. Eu estava deitado na cama enquanto ele olhava para mim. Estranhamente, eu percebia que ele olhava em minha direção, mas não me via. Era como se eu fosse a própria cama, enquanto ele estava a olhar para ela. Nessa hora uma sensação me invadiu: ele me procurava, não sei para quê, no entanto não me achava – assim como um assassino que procura a vítima enquanto ela está a lhe enganar. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://fc06.deviantart.net/fs28/f/2008/045/9/0/Dark_Room_by_ikiz.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="250" src="http://fc06.deviantart.net/fs28/f/2008/045/9/0/Dark_Room_by_ikiz.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Nessas horas não sei por que nos sonhos nós perdemos a capacidade de gritar, e de se locomover. Contudo, o que mais me perturbou foi saber que estava dormindo, mas sem a possibilidade de acordar. Tentava, tentava, mas não despertava. Por fim, despertei. Despertado fui para um novo desespero: acordei, mas continua dormindo... um sonho dentro de outro sonho. Quando despertei, percebi que estava na mesma cama que antes, no mesmo quarto que antes, e no mesmo escuro e silêncio de antes. O homem, que me causava terror, não estava lá, porém, outro tipo de terror me dominava: o terror de não conseguir acordar realmente, e vir para o mundo real. Sabia eu que estava dormindo, e que havia acordado de um outro sonho. Mas acordar realmente, isso eu não conseguia.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Dessa vez, consegui gritar. E gritei pelo Raither. Ele apareceu, mas apareceu só para me dar a esperança, e me encerrar no desespero de ter a vista dele, sem que ele pudesse retirar-me do estado em que estava. Estava morto dentro de mim mesmo. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu travei essa batalha de tentar levantar de um túmulo; acordar de um sonho dentro de outro sonho. Meu celular despertaria as 19:30h, coisa que sabia enquanto dormia. Embora, no meio desse caos, nada dele despertar. Por fim, consegui acordar, resfolegando... Olhei para o celular: eram 19:29h.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Acordei. Na agonia, vim escrever...</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-11840135622286622122011-07-16T17:46:00.001-03:002011-07-16T18:41:11.470-03:00De Virginia Woolf<div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 16 de julho de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><br />
<div style="text-align: justify;">Não se escolhe a vida. Apenas nasce.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não se escolhe a morte. Apenas morre.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Há escolha apenas em como viver, ou como morrer. Se se escolhe a melhor forma de viver. Que se escolha, também, a melhor forma de morrer.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Virginia Woolf escolheu:</div><br />
<div style="text-align: justify;"><br />
</div><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: x-small;"><span class="Apple-style-span" style="-webkit-border-horizontal-spacing: 2px; -webkit-border-vertical-spacing: 2px; border-collapse: collapse; line-height: 19px;"><i></i></span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: x-small;"><i><span class="apple-style-span"><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 115%;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">"Querido,</span></span></i></span></i></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: x-small;"><i><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 115%;"><span class="apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;"><br />
</span></span></span></i></i></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: x-small;"><i><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 115%;"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;"> <span class="apple-style-span">Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.</span></span></span></i></i></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: x-small;"><i><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 115%;"><span class="apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;"><br />
</span></span></span></i></i></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: x-small;"><i><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 115%;"><span class="apple-style-span"><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">V</span>."</span></span></i></i></span></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-23469936950223820142011-06-19T22:31:00.001-03:002011-06-20T01:00:24.593-03:00De “A natureza selvagem”<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 19 de junho de 2011</b><br />
<b><br />
</b><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://cadadiaumdia.files.wordpress.com/2009/12/christopher_mccandless_in_front_of_magic_bus.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="300" src="http://cadadiaumdia.files.wordpress.com/2009/12/christopher_mccandless_in_front_of_magic_bus.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: center;"><i>(Christopher Johnson McCandless em frente ao ônibus mágico)</i></div><b><br />
</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Eu não o conhecia! Por mais que já tivesse visto, o conheci neste final de tarde de junho. <span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;"><i><b>Christopher Johnson McCandless</b></i></span>. Um jovem, um apaixonado, um idealista, leitor de Tolstói e Thoreau.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Viveu 24 anos, e quem poderá dizer que viveu pouco? Ou que viveu muito? Ele viveu sua existência, mesmo que ela tenha sido contabilizada em um espaço tão curto de tempo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Pessoas como esse jovem escrevem suas vidas com sangue, até a última gota; o que sempre admirou Nietzsche. E aqueles que por algum motivo chegam a conhecer seu epitáfio o tomam por santo.<br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;">Um santo jovem!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se o céu existir, que você esteja nos braços Daquele que todas as coisas compreende!<br />
<br />
</div><div style="text-align: justify;">E que eu, de alguma forma, saiba ter a vida tão completa quanto a sua...<br />
<br />
<i><b><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">"(...) Sem jamais ter de voltar a ser envenenado pela civilização, foge e caminha sozinho pela terra para se perder na floresta."</span></b></i> (Christopher J. McCandless)<br />
<br />
<i><b><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">"A felicidade só é real quando compartilhada."</span></b></i> (Christopher J. McCandless pouco antes de morrer)<br />
<br />
PS: Quem quiser conhecer sua fantástica-trágica história: <a href="http://www.christophermccandless.info/">http://www.christophermccandless.info/</a></div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7848458811318341733.post-12187326539528547812011-06-19T22:09:00.000-03:002011-06-19T22:09:06.710-03:00Das “Cartas de Amor” – Parte V<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="text-align: justify;"><b>Niterói, 14 de maio de 2011</b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Esta, então, é a última carta escrita por nossa apaixonada freira, ao seu amante francês que nunca não lhe correspondia. O seu amor ficou eternizado nestas cartas, e pergunto-me que fim teve Mariana. Morreu ao escrever a última carta por tanto amar? Se enforcou em seu próprio quarto por tanto amar? Ou vendeu sua alma ao diabo por tanto amar? Pois não importa: ela muito amou... e isso já justifica todas as coisas!!!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixR5vcqMYoHh0bVf5PhdOnnD6nuphmiy9gmLw1GMKVmqbTJe0HsBlW2hhrBV3vficsf1VJdrMzMQEwN_G8Jv6VDys9XjQ1ANHYK_zoWJDDH4psx0qJA3qEmXZZXfLXYraRYfr95ib7Pz1l/s1600/Dorat771g2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixR5vcqMYoHh0bVf5PhdOnnD6nuphmiy9gmLw1GMKVmqbTJe0HsBlW2hhrBV3vficsf1VJdrMzMQEwN_G8Jv6VDys9XjQ1ANHYK_zoWJDDH4psx0qJA3qEmXZZXfLXYraRYfr95ib7Pz1l/s400/Dorat771g2.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"><b><i><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;"><br />
</span></i></b></div><div style="text-align: justify;"><b><i><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">Quinta Carta</span></i></b></div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">por Mariana Alcoforado</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">“Escrevo-lhe pela última vez, e espero que você perceba – pela indiferença de termos e de atitude desta carta – que você conseguiu enfim me convencer de que já não me ama, e de que portanto eu não devo mais amá-lo. Enviarei, pois, na primeira oportunidade, tudo o que me resta de seu. Não tema que eu ainda vá lhe escrever. Não colocarei sequer seu nome no pacote. Encarreguei Dona Brites de todos esses detalhes, ela que já estava se acostumando a outro tipo de confidências, tão diferentes disso. As providências dela serão menos suspeitas que as minhas. Ela tomará o cuidado necessário para garantir que você receba o retrato e as pulseiras que me deu. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas quero que você saiba que, já faz alguns dias, tenho sentido vontade de queimar e despedaçar essas provas de amor que já me foram tão queridas. Por outro lado, tenho demonstrado tanta fraqueza que você pode não acreditar que eu seja capaz de chegar a esse ponto. Quero sentir ao máximo a angústia de me separar delas, e que isso cause pelo menos alguma irritação em você.</div><div style="text-align: justify;">Confesso, para vergonha minha e sua, que me vi mais apegada a essas futilidades do que quero lhe dizer, e que precisei de novo reunir todas as minhas forças para me separar de uma delas em particular, mesmo quando já me gabava de não estar mais tão ligada a você. </div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas, com tantos motivos, chega-se sempre onde se quer. Pus tudo nas mãos de Dona Brites. Quantas lágrimas me custaram essa decisão! Depois de mil impulsos e mil incertezas que você nem imagina, e que não vou lhe explicar, implorei a Dona Brites que não me volte a falar nelas, que nunca mais me entregue nenhuma delas, mesmo que eu peça para vê-las só mais uma vez, e, por fim, para enviá-las sem me avisar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Não percebi o exagero do meu amor senão quando fiz todos os esforços para me curar dele; e acho que não ousaria tentar se pudesse prever tanta dificuldade, tanta violência. Estou convencida de que teria sido menos angustiante continuar a amá-lo, apesar de sua ingratidão, do que deixá-lo para sempre. Descobri que amava você menos do que à minha própria paixão, e senti uma angústia horrível por ter que combatê-la, depois que sua atitude indigna tornou você odioso para mim.</div><div style="text-align: justify;">O orgulho comum às mulheres não me ajudou a tomar decisões contra você. Meu Deus! Suportei seu desprezo, e teria suportado seu ódio, e todo o ciúme que seu amor por uma outra mulher despertaria em mim. Pelo menos teria uma paixão qualquer para combater. Mas sua indiferença é insuportável. Seus impertinentes protestos de amizade, e a ridícula civilidade de sua última carta me fizeram ver que você recebeu todas as outras que lhe escrevi, e que, embora tenha lido todas, elas não perturbaram em nada seu coração. Ingrato! Minha loucura ainda é tamanha a ponto de eu ficar desespera por não poder me iludir achando que elas não chegaram até você, que não lhe foram entregues.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Detesto sua franqueza. Por acaso eu lhe pedi para me dizer a verdade nua e crua? Por que não me deixou com minha paixão? Não precisava ter escrito, eu não estava à procura de explicações. Já não me basta a infelicidade de não ter conseguido de você o cuidado de não me iludir? Seria necessário também não poder mais lhe perdoar? Fique sabendo que estou convencida de que você não merece meus sentimentos, e que agora conheço toda a sua perversidade.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas se tudo o que fiz por você pode merecer alguma consideração de sua parte quando eu lhe pedir algum favor, imploro para que não me escreva mais, e para que me ajude a esquecê-lo completamente. Se você demonstrasse alguma tristeza, por pouca que fosse, ao ler esta carta, talvez eu acreditasse; mas talvez também sua confissão e seu arrependimento me causassem desgosto e raiva, e tudo isso poderia de novo me inflamar.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por isso, não interfira nos meus atos; sem dúvida você destruiria todos os meus projetos, fosse lá como quisesse interferir neles. Não me interessa o destino dessa carta. Não perturbe o estado de espírito que venho me preparando. Parece que você consegue viver sem culpa pelo mal que me causou, qualquer que tenha sido sua intenção de me magoar. Não me tire dessa incerteza. Espero, com o tempo, transformá-la em alguma tranqüilidade. Prometo não odiar você – desconfio muito de sentimentos violentos para ousar alimentá-los.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Estou certa de que encontraria aqui no meu país um amante melhor e mais fiel. Mas quem poderá me amar? A paixão de outro homem conseguiria me envolver? Por acaso a minha conseguiu ter algum efeito sobre você? Já não tenho provas de que um coração apaixonado nunca mais esquece quem lhe revelou emoções que ele não conhecia mas de que era capaz? De que todos os seus impulsos estão ligados ao ídolo que criou para si mesmo? De que suas primeiras impressões e suas primeiras feridas não podem ser nem curadas nem apagadas? De que todas as paixões se oferecem para ajudá-lo, e se esforçam para preenchê-lo e alegrá-lo, prometem-lhe em vão um afeto que ele não encontrará mais? De que todos os prazeres que ele procura, sem nenhuma vontade de encontrar, não servem senão para lhe mostrar que nada lhe é mais cara que a lembrança de seu sofrimento? Por que você me fez conhecer a imperfeição e o desencanto de uma união que não duraria eternamente, e a angústia que resulta de um amor violento que não é correspondido? E por que uma vontade cega e um destino cruel insistem quase sempre em nos ligar àqueles que só por outros se interessam?</div><div style="text-align: justify;">Mesmo que eu pudesse esperar algum divertimento de um novo namoro, e que encontrasse alguém sincero, sinto tanta pensa de mim mesma que teria muito escrúpulo de levar nem que fosse o último homem do mundo ao estado em que você me reduziu. E embora eu ao tenho obrigação nenhuma de lhe guardar respeito, não conseguiria me decidir a uma vingança tão cruel contra você, mesmo que, por uma mudança imprevista, isso dependesse de mim.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Procuro nesse momento desculpar você, e sei muito bem que uma freira não deve ser amada; mas acho que, se a razão fosse usada no momento da escolha, devia-se preferi-las às outras mulheres – nada as impede de pensar incessantemente em sua paixão, nem se deixar distrair por mil coisas que dispersam e ocupam as outras. Imagino que não deve ser muito agradável ver aquelas a quem se ama sempre distraídas por futilidades; e é preciso ter bem pouca sensibilidade para suportar, sem irritação, ouvi-las falar o tempo todo de reuniões, enfeites e passeios. Vive-se constantemente exposto a novos ciúmes, porque elas não conseguem se livrar de certos olhares, certos favores, certas conversas. Quem pode assegurar que nessas ocasiões elas não experimentem algum prazer, e que apenas aturem os maridos, com extremo desgosto e má vontade? Como elas vão desconfiar de um amante que não lhes cobre tudo isso, que acredite facilmente, e sem preocupação, em tudo o que disserem, e que as veja, confiante e tranquilo, sujeitas a todas essas obrigações!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Mas não pretendo provar-lhe, com boas razões, que você devia me amar. Esses são meios muito sórdidos, mas já usei outros bem melhores que não deram resultado. Conheço muito bem o meu destino para tentar mudá-lo. Serei uma infeliz pelo resto da minha vida. Já não era quando via você todos os dias? Morria de medo de que você não fosse fiel; queria ver você a todo instante, mas isso não era possível; ficava preocupada com o perigo que você corria ao entrar nesse convento; mal vivia quando você estava em serviço; me desesperava por não ser mais bonita e mais digna de você; reclamava contra mediocridade da minha condição; achava sempre que o apego que você parecia ter a mim podia lhe trazer problemas; tinha medo do ódio de minha família por você; enfim, encontrava-me num estado tão lamentável como o em que me encontro agora.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Se você tivesse dado provas de sua paixão depois que saiu de Portugal, eu teria feito todo o esforço para sair daqui; teria até me disfarçado para ir a seu encontro. Meu Deus! O que teria sido de mim se você não se importasse comigo depois que já estivesse na França!? Que horror! Que loucura! Que vergonha enorme para minha família, a quem tanto quero, depois que deixei de amar você!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Como você pode ver, reconheço friamente que eu podia ser ainda mais digna de piedade do que sou. Pelo menos uma vez na vida falo com você de forma ponderada. Como vai lhe agradar minha moderação, e como você ficará satisfeito comigo! Mas não quero saber! Já lhe pedi, e volto a suplicar, para não me escrever mais.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Você já pensou na maneira como vem me tratando? Nunca pensou que me deve mais obrigações do que a qualquer outra pessoa no mundo? Amei você como uma louca, desprezei todo o resto! Seu comportamento não é o de um homem honesto. Seria preciso que você tivesse por mim uma aversão natural para não ter me amado perdidamente. Deixei-me fascinas por qualidades muito medíocres. O que você fez para me agradar? Que sacrifícios fez por mim? Não procurou mil outros prazeres? Por acaso renunciou ao jogo e à caça? Não foi o primeiro a partir em campanha? Não foi o último a voltar? Você se expôs loucamente, por mais que eu tenha lhe pedido que se poupasse por amor a mim. Nunca procurou meios de se estabelecer em Portugal, onde você era querido. Uma carta de seu irmão foi o suficiente para fazê-lo partir, sem qualquer hesitação. Pois eu vim a saber que, durante a viagem, seu humor era o melhor do mundo.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Confesso que sou obrigada a odiar você mortalmente. Fui eu própria que atraí para mim toda a minha infelicidade! Desde o início, e ingenuamente, acostumei você a uma grande paixão, quando é necessário algum artifício para se fazer amar. É preciso procurar com habilidade as formas de agradar: o amor por si só não desperta amor. Como você queria que eu o amasse, e como tinha planejado esse objetivo, fez tudo que pôde para consegui-lo. Teria até se decidido a me amar, se tivesse sido necessário. Mas percebeu que não era necessário amor para obter êxito em seu empreendimento, e que não precisava dele para nada. Que crueldade! Você pensa que pode me enganar assim impunemente? Se por acaso você voltar a este país, juro que o entregarei à vingança de minha família.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Vivi muito tempo num abandono e num adoração que me horrorizam, e meu remorso me persegue com uma dureza insuportável. Sinto uma enorme vergonha dos crimes que você me fez cometer; já não tenho, coitada de mim, a paixão que me impedia de perceber a extensão deles. Quando meu coração deixará de se sentir despedaçado? Quando é que me livrarei dessa vergonha cruel? Apesar de tudo, acho que não lhe desejo nenhum mal, e acabo admitindo que você seja feliz. Mas como você vai conseguir, se é que tem coração?</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Quero ainda lhe escrever uma outra carta para lhe mostrar que, daqui a algum tempo, estarei mais tranqüila. Com que prazer haverei então de recriminar seu comportamento injusto, já que não estarei mais tão intensamente tocada por ele. Você vai perceber que o desprezo, que falo de sua traição, com a maior indiferença; que esqueci todo o meu prazer e sofrimento, e que só lembro de você quando quero me lembrar!</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Concordo que você tenha muitas vantagens sobre mim, e que você me despertou uma paixão que me fez perder a razão; mas você não devia se envaidecer disso. Eu era jovem, ingênua; fecharam-me neste convento desde menina; só tive contato com gente desagradável; nunca tinha ouvido os elogios que você me dizia frequentemente; parecia que só a você eu devia o encanto e a beleza que você descobriu em mim, e a qual me fez perceber; eu só ouvia coisas boas ao seu respeito; todo mundo me falava a seu favor; e você fazia tudo para despertar o meu amor. Até que, por fim, livrei-me do encantamento. Você me ajudou muito, e confesso que eu tinha enorme necessidade dessa ajuda.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Devolvo-lhe suas cartas, exceto as duas últimas que me escreveu e que guardarei cuidadosamente. Quero relê-las mais vezes ainda do que li as primeiras, para evitar uma recaída. Mas como eles me custam, e como eu teria sido feliz se você tivesse deixado que eu o amasse para sempre! Reconheço que me ocupo muito ainda com o meu ressentimento e sua infelicidade, mas lembre-se de que prometi a mim mesma um estado razoável, que espero atingir, ou então tomarei contra mim uma decisão drástica, de que você saberá sem grande desgosto. Não quero mais nada de você. Sou uma louca, vivo dizendo a mesma coisa várias vezes. Preciso deixá-lo, e nunca mais pensar em você. Creio mesmo que não voltarei a lhe escrever. Que obrigação tenho eu de lhe explicar todos os meus sentimentos?”</div></div>Alan B. Buchardhttp://www.blogger.com/profile/12819719776846558549noreply@blogger.com0