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Da mentira em família...

Cachoeiro, 26 de Julho de 2011

A verdade é que eu sempre quis ter uma família. Tá que vão achar que faço drama, mas no meu coração só eu que o que se passa, e só meu rosto sabe a conta das lágrimas que nele rolam. Por isso, a mim não me importa o que vão pensar. Meu coração está na boca, e cabe a mim fazer o jorrar o sangue para que ele se torne mais leve...

Apesar de tudo, sempre quis ter uma família. Uma família que amasse mais o filho do que a fé. Que amasse mais um ser que nasceu de suas entranhas do que as páginas de um livro, por mais sagrado que ele fosse. Que abraçasse alguém que desejoso está por um abraço mesmo sendo tão diferente.

Sim, quis ter uma família. Não uma família para dizer somente o que faço no dia a dia, mas para dizer quem amei ao longo dele. Uma família não para apenas pedir o dinheiro que não falta, mas conselhos em meio a tantos sentimentos contraditórios. Uma família que não me dissesse que sou um doente, um maluco, um endiabrado, mas antes, me enxergasse como o anjo que sempre tentei ser... embora sem sucesso.

A família que sempre quis ter é uma família que ouvisse o som da melodia que meu coração criava, não os gritos de minha mente formada por outros. Não queria uma família em preto e branco, mas sim uma família de muitas cores, tal com o arco-íris. Uma família onde a folha se encontra em branco para podermos escrever quem quer que somos, e não uma cartilha a ser seguida que não possui opções em que poderia me encaixar.

A família que queria ter era uma família onde eu pudesse ser eu, não aquilo que gostariam que fosse. Uma família que abrisse um sorriso ao ver minha verdadeira face, não uma que vira as costas quando me mostro para ela.

Não, nunca tive essa família. Não que tenha tido pais horríveis, austeros, intransigentes, fechados, castigadores. Porém, sempre tive pais enganados. Enganados por mim, enganados por suas convicções.

Pais, a culpa não é de vocês e não sou ingrato como costumam dizer. O destino, ou a vida nos levou a isso... a essa separação. Saibam que eu sempre os quis ter por perto, mas, ao mesmo tempo, sempre tive medo de ser negado ou expulso do único lugar que me restava então. Expulso do paraíso, como poderia eu falar algo e ser expulso de casa?

Eu sempre os quis ter por perto, mas o Deus de vocês me dá, e sempre deu, muito medo (eu mesmo estava com Ele por medo). Vocês dizem que Ele os protege e que cumprirá as promessas que fez, mas na verdade, Ele sempre os protegeu de mim, e a única promessa que cumpriu foi lançar um pecador no inferno de não ser aceito pela família por este ser uma abominação. Eu sempre quis falar, mas a voz do pastor e a cantoria dos irmãos sempre foram mais alto. Como a voz de uma criança poderia ser ouvida? Eu sempre quis ver a beleza das cores de vocês, mas seus amigos pintaram meus olhos de preto e branco, e nunca mais consegui colori-los. Eu sempre quis tocá-los, mais a pele já estava muito endurecida pelos anos cruéis de forma que sentissem meu tímido toque.

Então, a família que sempre quis ter fica guardada no meu coração, com lembranças e saudades de algo que nunca vivi ou senti.

E agora, despeço-me de Cachoeiro com o coração partido, rachado por dentro e por fora, pois a esperança que me alegrou durante meses foi apagada por cada palavra. Sobraram apenas sons rudes e acordes grosseiros. Vocês com certeza não verão isso em meu rosto, afinal, com os anos aprendia a disfarçar muito bem meus sentimentos. Mas se pegarem este caderno, em que escrevo, verão as páginas molhadas pelas lágrimas que caiam a cada frase.

Talvez num futuro, ou senão em outra vida – se houver –, poderemos dizer que fomos uma família feliz. Mas até lá só poderemos dizer: tentamos ser uma família feliz...

Niterói, 20 de Julho de 2011

Alguns sonhos são obscuros. Diferente daqueles que carregam calor, luz, e bons odores, alguns sonhos são gélidos, escuros, e mórbidos.

Nos sonhos bons, quando experimentamos as melhores sensações que o estado onírico nos concede, somos irritantemente acordados por um despertador barulhento, uma voz estridente, ou simplesmente pela clara e carinhosa luz da manhã – apesar de acordarmos maldizendo o amanhecer.

Nos maus sonhos, tragicamente, ninguém há que possa nos acordar. A voz não chega aos ouvidos, o despertador está sem bateria, e já se passou muito desde o crepúsculo.

Nos bons sonhos passei por florestas e campos. No sonho que mais me marcou, passava eu por entre prados bem verdes, cobertos por um céu cinza de outono, sendo lambido por uma brisa que prometia trazer chuva fina.


Passando pelos prados, adentrei-me numa fábrica de doces muito colorida. Se me dissessem que estava na Fantástica Fábrica de Chocolate e que em breve veria Oompa Loompas, não teria estranharia. Os Oompas não apareceram, e eu parti da fábrica me sentindo mais doce e mais feliz, porque a vida, em último caso, era um doce.



Como acontece nos sonhos, passei instantaneamente para o último cenário do sonho que mais me marcou: a floresta. Não uma floresta tropical tal qual temos no Brasil, rica em odores, formas de vidas, e climas simultâneos. Mas, uma floresta de clima temperado, de árvores antigas e de altas raízes, por onde temos a sensação de que veremos sair debaixo dela um hobbit aventureiro, ou veremos Tolkien fumando seu charuto escrevendo mais uma página de sua magnífica obra. Uma floresta um pouco fria e escura, mas na qual eu me adentrava, e cada vez mais inda sentindo calor e percebendo uma luz dourada. Cheguei por fim a uma clareira, cujo chão era coberto de folhas secas, e cujo teto eu não sabia se existia. A clareira foi porque nesse lugar uma forte luz dourada, como aquelas de quando o Sol se põe em dias quente, jorrava para a terra, iluminando todos os micros seres e objetinhos que ficam flutuando no ar, e que só percebemos quando reparamos nos feixes dele. Fiquei encantado com o que vi: um Stonehenge coberto de luz dourada – sobre ele incidia a maior parte dos raios solares. Nesse lugar de um verde escuro muito vivo, de chão de um mar de folhas secas, de um Stonehenge no elevado e banhado a ouro eu guardei a impressão mais forte. No meio de tamanha contemplação fui acordado, certamente por algo ou alguém que eu devo ter amaldiçoado muitas vezes em seguida, apesar de não lembrar hoje do que se tratava. Porém, da impressão não mais fui capaz de afastar. E é ela dela que me lembro quando sonhos como este que contarei agora me perturbam...



Esse último sonho tive a muitos anos. O que conto agora, tive hoje.

O ambiente em que estava era o mesmo no qual havia adormecido: meu quarto. E tal como o ambiente lá fora, meu sonho era escuro por conta do Sol ter se posto. Não havia ninguém em casa. Apenas eu, o escuro e o silêncio. Lembro que percorria todo o ambiente com os olhos, ou a mente, mas não me levantava da cama. O que aterrorizava era que a todo o momento eu sentia uma força invisível presente. Não sei quanto tempo fique passeando pelos espaços vazios e escuros com aquela sensação.

De repente um homem apareceu. Fui tomado de terror. Eu estava deitado na cama enquanto ele olhava para mim. Estranhamente, eu percebia que ele olhava em minha direção, mas não me via. Era como se eu fosse a própria cama, enquanto ele estava a olhar para ela. Nessa hora uma sensação me invadiu: ele me procurava, não sei para quê, no entanto não me achava – assim como um assassino que procura a vítima enquanto ela está a lhe enganar.


Nessas horas não sei por que nos sonhos nós perdemos a capacidade de gritar, e de se locomover. Contudo, o que mais me perturbou foi saber que estava dormindo, mas sem a possibilidade de acordar. Tentava, tentava, mas não despertava. Por fim, despertei. Despertado fui para um novo desespero: acordei, mas continua dormindo... um sonho dentro de outro sonho. Quando despertei, percebi que estava na mesma cama que antes, no mesmo quarto que antes, e no mesmo escuro e silêncio de antes. O homem, que me causava terror, não estava lá, porém, outro tipo de terror me dominava: o terror de não conseguir acordar realmente, e vir para o mundo real. Sabia eu que estava dormindo, e que havia acordado de um outro sonho. Mas acordar realmente, isso eu não conseguia.

Dessa vez, consegui gritar. E gritei pelo Raither. Ele apareceu, mas apareceu só para me dar a esperança, e me encerrar no desespero de ter a vista dele, sem que ele pudesse retirar-me do estado em que estava. Estava morto dentro de mim mesmo.

Eu travei essa batalha de tentar levantar de um túmulo; acordar de um sonho dentro de outro sonho. Meu celular despertaria as 19:30h, coisa que sabia enquanto dormia. Embora, no meio desse caos, nada dele despertar. Por fim, consegui acordar, resfolegando... Olhei para o celular: eram 19:29h.

Acordei. Na agonia, vim escrever...

De Virginia Woolf

Niterói, 16 de julho de 2011


Não se escolhe a vida. Apenas nasce.

Não se escolhe a morte. Apenas morre.

Há escolha apenas em como viver, ou como morrer. Se se escolhe a melhor forma de viver. Que se escolha, também, a melhor forma de morrer.

Virginia Woolf escolheu:



"Querido,

Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.

V."

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