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Niterói, 11 de dezembro de 2011

Falemos sobre o Amor. Hoje... sobre Póros e Pênia.

“ – E quem é seu pai – perguntei-lhe [Sócrates] – e sua mãe?

-- É um tanto longo de explicar, disse ela [Diotima]; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Póros (Recurso). Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pênia (Pobreza), e ficou pela porta. Ora, Póros, embriagado com o néctar – pois o vinho ainda não havia – penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pênia então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Póros, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Eros (Amor). Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Póros e de Pênia foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Sendo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e energético, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem moral, e no mesmo dia ora ele germina e vivem quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância.” (O Banquete – Platão, 203a – 204a)

Filho do excesso e da carência, Eros, Deus grego, o mais sublime e misterioso dos deuses...

Do amor correspondido

Niterói, 13 de outubro de 2011

Existe algo que as história de amor tragicamente encerradas não nos contam. Existe algo que os amores impossíveis não nos ensinam. Existe algo na separação precoce de dois amantes que não vemos: o quanto um amor realizado pode transformar uma vida!

Não falo de deixar de deixar de fazer isso ou aquilo, mas de ser-se, de viver. Viver uma vida completa – no sentido “aquele que decidiu viver com alguém, está vivendo” –, cheia da presença daquele que a torna o que ela é. Portanto, uma vida que é. E é ela mesmo. Uma não de procura, mas de gozo, com a solidão transfigurada em companhia.

Uma vida que se é. Não que deixou de ter ou de ser. Uma vida que não precisa de palavras para dizer o que se é, pois ela já é, e sendo, não há nada a se acrescentar.

Muito se escreve – e eu sou daqueles que gosta disso – sobre os amores não correspondidos, ou não vividos. Já foi dito que deles são as páginas dos livros e eu hei de concordar. Mas, qual o por quê? Talvez, porque os amores correspondidos consomem tanto os amantes que nada deles sobra a não ser a vida em que vivenciam esse amor.

Do amor creio que nenhum homem conseguirá um dia dizer tudo. Mas é exatamente por isso que escrevemos. E talvez, se assim fazemos, talvez nos falte um pouco mais de viver a vida.

Por isso, termino! Se o amor trágico enche as páginas dos livros, pode ser que eu prefira deixar as palavras para o caminho que passa por debaixo dos meus pés e daquele a quem amo. Se um dia forem apagadas, depois da morte, do que me importa?

Da "a selva e o mar"

Niterói, 17 de setembro de 2011

Muitos poemas e textos de Rubem Alves já li. Mas este que trago aqui tem um sabor diferente...

Dedico ao meu amor, Raither: em nós dançam a selva e o mar.


A selva e o mar

Vou contar uma estória de separação,
Todo separação é triste.
Ela guarda memória de tempos felizes
(ou de tempos que poderiam ter sido felizes...).
E nela mora a saudade.
A saudade ficou no rosto de uma criaça,
partida entre dois lugares,
e o seu corpinho se estendia
de viagem a viagem,
entre a casa do pai e a casa da mãe,
 esticado, querendo fazer uma ponte imensa
que juntasse de novo
aquilo que a vida separara.
E ela ficava a se perguntar: Por quê?
E é por isso que conto,
para ajudar a entender...
Sua mãe nasceu no mar
e era, inteirinha,
amor ao mar.
Ah! Você que saber
o que é o amor...
Amar é querer trazer para bem perto
aquilo que está longe,
abraçar, esforço de pôr dentro
aquilo que está fora,
beber, com prazer, aquilo que fez
os olhos sorrir.
Pois é: ela bebia do mar
tudo o que via,
e o mar nela morava
e ela o mar namorava:
a imensidão azul mistério,
as coisas que viviam nas suas funduras:
corais vermelhos,
algas verdes,
peixes de cores brilhantes,
icebergs branco-gelados
de mares não vistos,
músicas silenciosas de catedrais encantadas.

Assim era o corpo da jovem.
Você acha estranho?
Pensava que o corpo era feito de carne,
de sangue e de ossos?
Puro engano.
Nosso corpo é feio daquilo
que o amor pôs lá dentro.
E onde o amor quis, mas não pôde,
ficou um vazio,
que é onde mora a saudade...
Assim era o corpo daquela jovem,
quase menina:
havia os sons acolhidos
por seus ouvidos, barulhos de ondas,
um paciente ir e vir sem fim
como a vida...
Odores de coisas marinhas
entravam lá dentro
pelas narinas pulsantes
e faziam bem a lugares ocultos;
perfumes azuis de marolas
e aromas de pérolas brancas...
(Você já sentiu isso, o bem
que um perfume faz, num lugar de dentro da mente
que a gente nem sabe onde fica?)

Sua pele brincava com a água
e se arrepiava toda
quando a brisa lhe fazia cócegas.
E em seus olhos se viam gaivotas de brancas asas
e barcos a vela ao vento.
Quem lhe ouvisse o coração bater
juraria que eram ondas...
Seus seios, conchas lisas que abrigavam
criaturas macias.
Seu ventre, lugar de mistérios,
como a vida secreta do mar,
caverna escura onde nadavam peixes minúsculos
e invisíveis sementes ficavam à espera.
Mas havia uma coisa que ela não podia entender:
era uma tristeza,
suave,
nostalgia.
Não lhe bastava o mar infinito.

Havia os Vazios,
Desejos,
Ausência imensa,
Saudade de algo que lhe faltava.
E ela sonhava com coisas longínquas,
e as amava:
o mar e a selva se encontrassem
e o azul e o ver se misturassem.

Ela amava o mar que nela morava,
e a selva, ausência,
pedaço que lhe faltava.
E cantava o nome de seu amado:
“Os bosques são belos, sombrios,
fundos...” (Frost).
Seus olhos se voltavam então
para o alto das montanhas, ao longe,
e viam as silhuetas de árvores
ao céu, e imaginavam
belezas e mistérios diferentes
daqueles do mar.
E amava a floresta
com que sonhava.

Seu pai nascera no meio da selva
e o seu corpo crescera
com árvores velhas de muitos anos,
frutas silvestres de muitas aves,
musgos macios de muitos verdes,
borboletas de asas de muitas cores,
aves de vozes de muitos cantos,
grilos ocultos em muitas noites,
correntes de águas de muitas pedras,
flores silvestres de muitos cheiros,
terra macia de muitos brotos,
vidas que renascem de muitas formas...
Ah! Assim era o seu corpo.
“E como ele se entregava!
Amava seu mundo interior, caos selvagem,
bosques antiqüíssimos,
sobre cujo silencioso despertar verde-luz
seu coração se erguia.” (Rilke).

Mas ele também tinha
um sentimento triste, vazio,
doía-lhe o lugar da Falta.
E quando o sol
se punha sobre o mar,
ele sentia
uma nostalgia imensa.
Como se a floresta
não lhe bastasse,
o desejo por algo
belo-distante,
ausente.
E, da sombra
verde das árvores,
olhava a luz azul do mar,
solene no horizonte,
brincalhão na areia,
e desejava mergulhar nele,
e pensava que a felicidade é isto:
a selva penetrando no mar.

Um dia os dois
se encontraram,
se amaram,
a floresta mergulhou no mar,
o mar abraçou a floresta,
suas sementes se misturaram
e uma criança nasceu...
e ela tinha no seu corpo
um pouco de mar
e um pouco de selva...

Ah! felicidade maior
não poderia haver,
e até pensaram que seria eterna...
Foram morar lá em cima,
no lugar do Pai,
os três.
Felizes...
O pai, no seu mundo verde,
velho amigo, conhecido.
A mãe, no mundo verde,
mistério com que sempre
sonhara e desejara.
A criança, feliz,
por ser selva e ser mar.

Mas o tempo passou
e a felicidade acabou.
No peito da jovem
foi crescendo uma dor.
Primeiro era saudade mansa
que virou tristeza:
e a floresta, tão bela de longe,
virou prisão...
E o jovem que tanto amara
ficou estranho, gigante verde,
senhor da floresta,
seu carcereiro.

Ah! Ela já não podia amar a selva
e sua face se transtornou.
E o mar que morava nela ficou sinistro,
uma tempestade enorme
cresceu por dentro,
e no seu rosto quebraram ondas
em cuja fúria até mesmo a criança
se debatia. E a jovem virou tristeza
por se ver assim, tão feia.
(É preciso que você saiba disto:
nós amamos as pessoas
por aquilo de belo que elas fazem
nascer em nós.
Como se fossem espelhos.
Se nos vemos belos
naqueles olhos que nos contemplam,
nós as amamos.
Mas, se nos vemos feios, as odiamos...)

E ela então compreendeu que,
por belas que as matas fossem,
ela seria sempre uma estranha,
exilada, sem lar.
E foi o que disse ao seu companheiro,
que a entendeu
e disse que não importava.
Viveriam à beira-mar
para que ela reencontrasse
a felicidade perdida.
E assim aconteceu.
A alegria voltou.

Mas o tempo passou
e a saudade chegou
agora ao peito do jovem,
onde a solidão foi crescendo,
tristeza de quem vive em degredo,
prisioneiro de ilhas cercadas de mar sem fim.
E a jovem que ele tanto amara
se transfigurou num mar de tristeza,
ondas que repetiam
de noite e de dia,
sem parar:
“Nunca mais, nunca mais...”

E a floresta que morava nele
se enfureceu,
e acordaram bichos sinistros,
que dormiam nela,
cobras e escorpiões,
e aflorou tudo naquele rosto
outrora manso,
e ele ficou sinistro,
e havia fogo no seu olhar,
e espinhos cortantes no seu falar.
E ele chorou ao ver o espanto
nos olhos da sua criança,
espelhos tristes,
e sentiu que já não era o mesmo,
e nunca o seria,
longe da selva,
que era o seu lar.
E então compreenderam que,
para continuar a ser belos,
era preciso que o mar e a floresta
fossem verdadeiros consigo mesmos
e morassem nos seus lugares.

E assim viveram, longe:
a jovem, à beira-mar, saudosa da floresta,
o jovem, na floresta, com saudades do mar...
E é por isso que as pessoas se separam,
por mais que isso as dilacere,
para ficarem bonitas de novo
e voltarem aos mares e florestas perdidos...
Cada separação é uma busca
de um amor que se perdeu:
em cada partida, um desejo de reencontro.

Quanto à criança,
diziam os outros, que nada sabiam:
“Não tem onde morar...”
Ignoravam os mundos onde vivera
e que no seu corpo pequeno moravam
um mar e uma selva.
E se ora estava com a mãe, à beira-mar,
ora com o pai, na floresta,
não é que um lar lhe faltasse.
Ela era mar,
era floresta,
e podia sentir-se em casa
onde quer que estivesse."


(Cantos do pássaro encantado - Rubem Alves)

Das mentiras

Niterói, 28 de agosto de 2011

Há quem consiga mentir. Eu não.

Não que seja o mais verdadeiro de todos os homens. Eu simplesmente não sei mentir “direito”.

O ditado passado de avó à neto “mentira tem perna curta” se aplica necessariamente a mim. Posso dizer que não tenho a melhor memória do mundo, e, enquanto se mente, é bom que a memória seja memória de elefante. Dúvidas de que minhas mentiras realmente têm pernas curtas?

Não que também eu nasci para a verdade, sendo a verdade é um valor divino ou um imperativo categórico. Eu apenas nasci com pouca memória.

Ou talvez, nasci com uma predisposição de ter prazer no desvelamento das verdades que encubro.

O que Freud falaria disso?

Da mentira em família...

Cachoeiro, 26 de Julho de 2011

A verdade é que eu sempre quis ter uma família. Tá que vão achar que faço drama, mas no meu coração só eu que o que se passa, e só meu rosto sabe a conta das lágrimas que nele rolam. Por isso, a mim não me importa o que vão pensar. Meu coração está na boca, e cabe a mim fazer o jorrar o sangue para que ele se torne mais leve...

Apesar de tudo, sempre quis ter uma família. Uma família que amasse mais o filho do que a fé. Que amasse mais um ser que nasceu de suas entranhas do que as páginas de um livro, por mais sagrado que ele fosse. Que abraçasse alguém que desejoso está por um abraço mesmo sendo tão diferente.

Sim, quis ter uma família. Não uma família para dizer somente o que faço no dia a dia, mas para dizer quem amei ao longo dele. Uma família não para apenas pedir o dinheiro que não falta, mas conselhos em meio a tantos sentimentos contraditórios. Uma família que não me dissesse que sou um doente, um maluco, um endiabrado, mas antes, me enxergasse como o anjo que sempre tentei ser... embora sem sucesso.

A família que sempre quis ter é uma família que ouvisse o som da melodia que meu coração criava, não os gritos de minha mente formada por outros. Não queria uma família em preto e branco, mas sim uma família de muitas cores, tal com o arco-íris. Uma família onde a folha se encontra em branco para podermos escrever quem quer que somos, e não uma cartilha a ser seguida que não possui opções em que poderia me encaixar.

A família que queria ter era uma família onde eu pudesse ser eu, não aquilo que gostariam que fosse. Uma família que abrisse um sorriso ao ver minha verdadeira face, não uma que vira as costas quando me mostro para ela.

Não, nunca tive essa família. Não que tenha tido pais horríveis, austeros, intransigentes, fechados, castigadores. Porém, sempre tive pais enganados. Enganados por mim, enganados por suas convicções.

Pais, a culpa não é de vocês e não sou ingrato como costumam dizer. O destino, ou a vida nos levou a isso... a essa separação. Saibam que eu sempre os quis ter por perto, mas, ao mesmo tempo, sempre tive medo de ser negado ou expulso do único lugar que me restava então. Expulso do paraíso, como poderia eu falar algo e ser expulso de casa?

Eu sempre os quis ter por perto, mas o Deus de vocês me dá, e sempre deu, muito medo (eu mesmo estava com Ele por medo). Vocês dizem que Ele os protege e que cumprirá as promessas que fez, mas na verdade, Ele sempre os protegeu de mim, e a única promessa que cumpriu foi lançar um pecador no inferno de não ser aceito pela família por este ser uma abominação. Eu sempre quis falar, mas a voz do pastor e a cantoria dos irmãos sempre foram mais alto. Como a voz de uma criança poderia ser ouvida? Eu sempre quis ver a beleza das cores de vocês, mas seus amigos pintaram meus olhos de preto e branco, e nunca mais consegui colori-los. Eu sempre quis tocá-los, mais a pele já estava muito endurecida pelos anos cruéis de forma que sentissem meu tímido toque.

Então, a família que sempre quis ter fica guardada no meu coração, com lembranças e saudades de algo que nunca vivi ou senti.

E agora, despeço-me de Cachoeiro com o coração partido, rachado por dentro e por fora, pois a esperança que me alegrou durante meses foi apagada por cada palavra. Sobraram apenas sons rudes e acordes grosseiros. Vocês com certeza não verão isso em meu rosto, afinal, com os anos aprendia a disfarçar muito bem meus sentimentos. Mas se pegarem este caderno, em que escrevo, verão as páginas molhadas pelas lágrimas que caiam a cada frase.

Talvez num futuro, ou senão em outra vida – se houver –, poderemos dizer que fomos uma família feliz. Mas até lá só poderemos dizer: tentamos ser uma família feliz...

Niterói, 20 de Julho de 2011

Alguns sonhos são obscuros. Diferente daqueles que carregam calor, luz, e bons odores, alguns sonhos são gélidos, escuros, e mórbidos.

Nos sonhos bons, quando experimentamos as melhores sensações que o estado onírico nos concede, somos irritantemente acordados por um despertador barulhento, uma voz estridente, ou simplesmente pela clara e carinhosa luz da manhã – apesar de acordarmos maldizendo o amanhecer.

Nos maus sonhos, tragicamente, ninguém há que possa nos acordar. A voz não chega aos ouvidos, o despertador está sem bateria, e já se passou muito desde o crepúsculo.

Nos bons sonhos passei por florestas e campos. No sonho que mais me marcou, passava eu por entre prados bem verdes, cobertos por um céu cinza de outono, sendo lambido por uma brisa que prometia trazer chuva fina.


Passando pelos prados, adentrei-me numa fábrica de doces muito colorida. Se me dissessem que estava na Fantástica Fábrica de Chocolate e que em breve veria Oompa Loompas, não teria estranharia. Os Oompas não apareceram, e eu parti da fábrica me sentindo mais doce e mais feliz, porque a vida, em último caso, era um doce.



Como acontece nos sonhos, passei instantaneamente para o último cenário do sonho que mais me marcou: a floresta. Não uma floresta tropical tal qual temos no Brasil, rica em odores, formas de vidas, e climas simultâneos. Mas, uma floresta de clima temperado, de árvores antigas e de altas raízes, por onde temos a sensação de que veremos sair debaixo dela um hobbit aventureiro, ou veremos Tolkien fumando seu charuto escrevendo mais uma página de sua magnífica obra. Uma floresta um pouco fria e escura, mas na qual eu me adentrava, e cada vez mais inda sentindo calor e percebendo uma luz dourada. Cheguei por fim a uma clareira, cujo chão era coberto de folhas secas, e cujo teto eu não sabia se existia. A clareira foi porque nesse lugar uma forte luz dourada, como aquelas de quando o Sol se põe em dias quente, jorrava para a terra, iluminando todos os micros seres e objetinhos que ficam flutuando no ar, e que só percebemos quando reparamos nos feixes dele. Fiquei encantado com o que vi: um Stonehenge coberto de luz dourada – sobre ele incidia a maior parte dos raios solares. Nesse lugar de um verde escuro muito vivo, de chão de um mar de folhas secas, de um Stonehenge no elevado e banhado a ouro eu guardei a impressão mais forte. No meio de tamanha contemplação fui acordado, certamente por algo ou alguém que eu devo ter amaldiçoado muitas vezes em seguida, apesar de não lembrar hoje do que se tratava. Porém, da impressão não mais fui capaz de afastar. E é ela dela que me lembro quando sonhos como este que contarei agora me perturbam...



Esse último sonho tive a muitos anos. O que conto agora, tive hoje.

O ambiente em que estava era o mesmo no qual havia adormecido: meu quarto. E tal como o ambiente lá fora, meu sonho era escuro por conta do Sol ter se posto. Não havia ninguém em casa. Apenas eu, o escuro e o silêncio. Lembro que percorria todo o ambiente com os olhos, ou a mente, mas não me levantava da cama. O que aterrorizava era que a todo o momento eu sentia uma força invisível presente. Não sei quanto tempo fique passeando pelos espaços vazios e escuros com aquela sensação.

De repente um homem apareceu. Fui tomado de terror. Eu estava deitado na cama enquanto ele olhava para mim. Estranhamente, eu percebia que ele olhava em minha direção, mas não me via. Era como se eu fosse a própria cama, enquanto ele estava a olhar para ela. Nessa hora uma sensação me invadiu: ele me procurava, não sei para quê, no entanto não me achava – assim como um assassino que procura a vítima enquanto ela está a lhe enganar.


Nessas horas não sei por que nos sonhos nós perdemos a capacidade de gritar, e de se locomover. Contudo, o que mais me perturbou foi saber que estava dormindo, mas sem a possibilidade de acordar. Tentava, tentava, mas não despertava. Por fim, despertei. Despertado fui para um novo desespero: acordei, mas continua dormindo... um sonho dentro de outro sonho. Quando despertei, percebi que estava na mesma cama que antes, no mesmo quarto que antes, e no mesmo escuro e silêncio de antes. O homem, que me causava terror, não estava lá, porém, outro tipo de terror me dominava: o terror de não conseguir acordar realmente, e vir para o mundo real. Sabia eu que estava dormindo, e que havia acordado de um outro sonho. Mas acordar realmente, isso eu não conseguia.

Dessa vez, consegui gritar. E gritei pelo Raither. Ele apareceu, mas apareceu só para me dar a esperança, e me encerrar no desespero de ter a vista dele, sem que ele pudesse retirar-me do estado em que estava. Estava morto dentro de mim mesmo.

Eu travei essa batalha de tentar levantar de um túmulo; acordar de um sonho dentro de outro sonho. Meu celular despertaria as 19:30h, coisa que sabia enquanto dormia. Embora, no meio desse caos, nada dele despertar. Por fim, consegui acordar, resfolegando... Olhei para o celular: eram 19:29h.

Acordei. Na agonia, vim escrever...

De Virginia Woolf

Niterói, 16 de julho de 2011


Não se escolhe a vida. Apenas nasce.

Não se escolhe a morte. Apenas morre.

Há escolha apenas em como viver, ou como morrer. Se se escolhe a melhor forma de viver. Que se escolha, também, a melhor forma de morrer.

Virginia Woolf escolheu:



"Querido,

Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.

V."

De “A natureza selvagem”

Niterói, 19 de junho de 2011


(Christopher Johnson McCandless em frente ao ônibus mágico)


Eu não o conhecia! Por mais que já tivesse visto, o conheci neste final de tarde de junho. Christopher Johnson McCandless. Um jovem, um apaixonado, um idealista, leitor de Tolstói e Thoreau.

Viveu 24 anos, e quem poderá dizer que viveu pouco? Ou que viveu muito? Ele viveu sua existência, mesmo que ela tenha sido contabilizada em um espaço tão curto de tempo.

Pessoas como esse jovem escrevem suas vidas com sangue, até a última gota; o que sempre admirou Nietzsche. E aqueles que por algum motivo chegam a conhecer seu epitáfio o tomam por santo.

Um santo jovem!

Se o céu existir, que você esteja nos braços Daquele que todas as coisas compreende!

E que eu, de alguma forma, saiba ter a vida tão completa quanto a sua...

"(...) Sem jamais ter de voltar a ser envenenado pela civilização, foge e caminha sozinho pela terra para se perder na floresta." (Christopher J. McCandless)

"A felicidade só é real quando compartilhada." (Christopher J. McCandless pouco antes de morrer)

PS: Quem quiser conhecer sua fantástica-trágica história: http://www.christophermccandless.info/

Niterói, 14 de maio de 2011

Esta, então, é a última carta escrita por nossa apaixonada freira, ao seu amante francês que nunca não lhe correspondia. O seu amor ficou eternizado nestas cartas, e pergunto-me que fim teve Mariana. Morreu ao escrever a última carta por tanto amar? Se enforcou em seu próprio quarto por tanto amar? Ou vendeu sua alma ao diabo por tanto amar? Pois não importa: ela muito amou... e isso já justifica todas as coisas!!!


Quinta Carta

por Mariana Alcoforado

“Escrevo-lhe pela última vez, e espero que você perceba – pela indiferença de termos e de atitude desta carta – que você conseguiu enfim me convencer de que já não me ama, e de que portanto eu não devo mais amá-lo. Enviarei, pois, na primeira oportunidade, tudo o que me resta de seu. Não tema que eu ainda vá lhe escrever. Não colocarei sequer seu nome no pacote. Encarreguei Dona Brites de todos esses detalhes, ela que já estava se acostumando a outro tipo de confidências, tão diferentes disso. As providências dela serão menos suspeitas que as minhas. Ela tomará o cuidado necessário para garantir que você receba o retrato e as pulseiras que me deu.

Mas quero que você saiba que, já faz alguns dias, tenho sentido vontade de queimar e despedaçar essas provas de amor que já me foram tão queridas. Por outro lado, tenho demonstrado tanta fraqueza que você pode não acreditar que eu seja capaz de chegar a esse ponto. Quero sentir ao máximo a angústia de me separar delas, e que isso cause pelo menos alguma irritação em você.
Confesso, para vergonha minha e sua, que me vi mais apegada a essas futilidades do que quero lhe dizer, e que precisei de novo reunir todas as minhas forças para me separar de uma delas em particular, mesmo quando já me gabava de não estar mais tão ligada a você.

Mas, com tantos motivos, chega-se sempre onde se quer. Pus tudo nas mãos de Dona Brites. Quantas lágrimas me custaram essa decisão! Depois de mil impulsos e mil incertezas que você nem imagina, e que não vou lhe explicar, implorei a Dona Brites que não me volte a falar nelas, que nunca mais me entregue nenhuma delas, mesmo que eu peça para vê-las só mais uma vez, e, por fim, para enviá-las sem me avisar.

Não percebi o exagero do meu amor senão quando fiz todos os esforços para me curar dele; e acho que não ousaria tentar se pudesse prever tanta dificuldade, tanta violência. Estou convencida de que teria sido menos angustiante continuar a amá-lo, apesar de sua ingratidão, do que deixá-lo para sempre. Descobri que amava você menos do que à minha própria paixão, e senti uma angústia horrível por ter que combatê-la, depois que sua atitude indigna tornou você odioso para mim.
O orgulho comum às mulheres não me ajudou a tomar decisões contra você. Meu Deus! Suportei seu desprezo, e teria suportado seu ódio, e todo o ciúme que seu amor por uma outra mulher despertaria em mim. Pelo menos teria uma paixão qualquer para combater. Mas sua indiferença é insuportável. Seus impertinentes protestos de amizade, e a ridícula civilidade de sua última carta me fizeram ver que você recebeu todas as outras que lhe escrevi, e que, embora tenha lido todas, elas não perturbaram em nada seu coração. Ingrato! Minha loucura ainda é tamanha a ponto de eu ficar desespera por não poder me iludir achando que elas não chegaram até você, que não lhe foram entregues.

Detesto sua franqueza. Por acaso eu lhe pedi para me dizer a verdade nua e crua? Por que não me deixou com minha paixão? Não precisava ter escrito, eu não estava à procura de explicações. Já não me basta a infelicidade de não ter conseguido de você o cuidado de não me iludir? Seria necessário também não poder mais lhe perdoar? Fique sabendo que estou convencida de que você não merece meus sentimentos, e que agora conheço toda a sua perversidade.

Mas se tudo o que fiz por você pode merecer alguma consideração de sua parte quando eu lhe pedir algum favor, imploro para que não me escreva mais, e para que me ajude a esquecê-lo completamente. Se você demonstrasse alguma tristeza, por pouca que fosse, ao ler esta carta, talvez eu acreditasse; mas talvez também sua confissão e seu arrependimento me causassem desgosto e raiva, e tudo isso poderia de novo me inflamar.

Por isso, não interfira nos meus atos; sem dúvida você destruiria todos os meus projetos, fosse lá como quisesse interferir neles. Não me interessa o destino dessa carta. Não perturbe o estado de espírito que venho me preparando. Parece que você consegue viver sem culpa pelo mal que me causou, qualquer que tenha sido sua intenção de me magoar. Não me tire dessa incerteza. Espero, com o tempo, transformá-la em alguma tranqüilidade. Prometo não odiar você – desconfio muito de sentimentos violentos para ousar alimentá-los.

Estou certa de que encontraria aqui no meu país um amante melhor e mais fiel. Mas quem poderá me amar? A paixão de outro homem conseguiria me envolver? Por acaso a minha conseguiu ter algum efeito sobre você? Já não tenho provas de que um coração apaixonado nunca mais esquece quem lhe revelou emoções que ele não conhecia mas de que era capaz? De que todos os seus impulsos estão ligados ao ídolo que criou para si mesmo? De que suas primeiras impressões e suas primeiras feridas não podem ser nem curadas nem apagadas? De que todas as paixões se oferecem para ajudá-lo, e se esforçam para preenchê-lo e alegrá-lo, prometem-lhe em vão um afeto que ele não encontrará mais? De que todos os prazeres que ele procura, sem nenhuma vontade de encontrar, não servem senão para lhe mostrar que nada lhe é mais cara que a lembrança de seu sofrimento? Por que você me fez conhecer a imperfeição e o desencanto de uma união que não duraria eternamente, e a angústia que resulta de um amor violento que não é correspondido? E por que uma vontade cega e um destino cruel insistem quase sempre em nos ligar àqueles que só por outros se interessam?
Mesmo que eu pudesse esperar algum divertimento de um novo namoro, e que encontrasse alguém sincero, sinto tanta pensa de mim mesma que teria muito escrúpulo de levar nem que fosse o último homem do mundo ao estado em que você me reduziu. E embora eu ao tenho obrigação nenhuma de lhe guardar respeito, não conseguiria me decidir a uma vingança tão cruel contra você, mesmo que, por uma mudança imprevista, isso dependesse de mim.

Procuro nesse momento desculpar você, e sei muito bem que uma freira não deve ser amada; mas acho que, se a razão fosse usada no momento da escolha, devia-se preferi-las às outras mulheres – nada as impede de pensar incessantemente em sua paixão, nem se deixar distrair por mil coisas que dispersam e ocupam as outras. Imagino que não deve ser muito agradável ver aquelas a quem se ama sempre distraídas por futilidades; e é preciso ter bem pouca sensibilidade para suportar, sem irritação, ouvi-las falar o tempo todo de reuniões, enfeites e passeios. Vive-se constantemente exposto a novos ciúmes, porque elas não conseguem se livrar de certos olhares, certos favores, certas conversas. Quem pode assegurar que nessas ocasiões elas não experimentem algum prazer, e que apenas aturem os maridos, com extremo desgosto e má vontade? Como elas vão desconfiar de um amante que não lhes cobre tudo isso, que acredite facilmente, e sem preocupação, em tudo o que disserem, e que as veja, confiante e tranquilo, sujeitas a todas essas obrigações!

Mas não pretendo provar-lhe, com boas razões, que você devia me amar. Esses são meios muito sórdidos, mas já usei outros bem melhores que não deram resultado. Conheço muito bem o meu destino para tentar mudá-lo. Serei uma infeliz pelo resto da minha vida. Já não era quando via você todos os dias? Morria de medo de que você não fosse fiel; queria ver você a todo instante, mas isso não era possível; ficava preocupada com o perigo que você corria ao entrar nesse convento; mal vivia quando você estava em serviço; me desesperava por não ser mais bonita e mais digna de você; reclamava contra mediocridade da minha condição; achava sempre que o apego que você parecia ter a mim podia lhe trazer problemas; tinha medo do ódio de minha família por você; enfim, encontrava-me num estado tão lamentável como o em que me encontro agora.

Se você tivesse dado provas de sua paixão depois que saiu de Portugal, eu teria feito todo o esforço para sair daqui; teria até me disfarçado para ir a seu encontro. Meu Deus! O que teria sido de mim se você não se importasse comigo depois que já estivesse na França!? Que horror! Que loucura! Que vergonha enorme para minha família, a quem tanto quero, depois que deixei de amar você!

Como você pode ver, reconheço friamente que eu podia ser ainda mais digna de piedade do que sou. Pelo menos uma vez na vida falo com você de forma ponderada. Como vai lhe agradar minha moderação, e como você ficará satisfeito comigo! Mas não quero saber! Já lhe pedi, e volto a suplicar, para não me escrever mais.

Você já pensou na maneira como vem me tratando? Nunca pensou que me deve mais obrigações do que a qualquer outra pessoa no mundo? Amei você como uma louca, desprezei todo o resto! Seu comportamento não é o de um homem honesto. Seria preciso que você tivesse por mim uma aversão natural para não ter me amado perdidamente. Deixei-me fascinas por qualidades muito medíocres. O que você fez para me agradar? Que sacrifícios fez por mim? Não procurou mil outros prazeres? Por acaso renunciou ao jogo e à caça? Não foi o primeiro a partir em campanha? Não foi o último a voltar? Você se expôs loucamente, por mais que eu tenha lhe pedido que se poupasse por amor a mim. Nunca procurou meios de se estabelecer em Portugal, onde você era querido. Uma carta de seu irmão foi o suficiente para fazê-lo partir, sem qualquer hesitação. Pois eu vim a saber que, durante a viagem, seu humor era o melhor do mundo.

Confesso que sou obrigada a odiar você mortalmente. Fui eu própria que atraí para mim toda a minha infelicidade! Desde o início, e ingenuamente, acostumei você a uma grande paixão, quando é necessário algum artifício para se fazer amar. É preciso procurar com habilidade as formas de agradar: o amor por si só não desperta amor. Como você queria que eu o amasse, e como tinha planejado esse objetivo, fez tudo que pôde para consegui-lo. Teria até se decidido a me amar, se tivesse sido necessário. Mas percebeu que não era necessário amor para obter êxito em seu empreendimento, e que não precisava dele para nada. Que crueldade! Você pensa que pode me enganar assim impunemente? Se por acaso você voltar a este país, juro que o entregarei à vingança de minha família.

Vivi muito tempo num abandono e num adoração que me horrorizam, e meu remorso me persegue com uma dureza insuportável. Sinto uma enorme vergonha dos crimes que você me fez cometer; já não tenho, coitada de mim, a paixão que me impedia de perceber a extensão deles. Quando meu coração deixará de se sentir despedaçado? Quando é que me livrarei dessa vergonha cruel? Apesar de tudo, acho que não lhe desejo nenhum mal, e acabo admitindo que você seja feliz. Mas como você vai conseguir, se é que tem coração?

Quero ainda lhe escrever uma outra carta para lhe mostrar que, daqui a algum tempo, estarei mais tranqüila. Com que prazer haverei então de recriminar seu comportamento injusto, já que não estarei mais tão intensamente tocada por ele. Você vai perceber que o desprezo, que falo de sua traição, com a maior indiferença; que esqueci todo o meu prazer e sofrimento, e que só lembro de você quando quero me lembrar!

Concordo que você tenha muitas vantagens sobre mim, e que você me despertou uma paixão que me fez perder a razão; mas você não devia se envaidecer disso. Eu era jovem, ingênua; fecharam-me neste convento desde menina; só tive contato com gente desagradável; nunca tinha ouvido os elogios que você me dizia frequentemente; parecia que só a você eu devia o encanto e a beleza que você descobriu em mim, e a qual me fez perceber; eu só ouvia coisas boas ao seu respeito; todo mundo me falava a seu favor; e você fazia tudo para despertar o meu amor. Até que, por fim, livrei-me do encantamento. Você me ajudou muito, e confesso que eu tinha enorme necessidade dessa ajuda.

Devolvo-lhe suas cartas, exceto as duas últimas que me escreveu e que guardarei cuidadosamente. Quero relê-las mais vezes ainda do que li as primeiras, para evitar uma recaída. Mas como eles me custam, e como eu teria sido feliz se você tivesse deixado que eu o amasse para sempre! Reconheço que me ocupo muito ainda com o meu ressentimento e sua infelicidade, mas lembre-se de que prometi a mim mesma um estado razoável, que espero atingir, ou então tomarei contra mim uma decisão drástica, de que você saberá sem grande desgosto. Não quero mais nada de você. Sou uma louca, vivo dizendo a mesma coisa várias vezes. Preciso deixá-lo, e nunca mais pensar em você. Creio mesmo que não voltarei a lhe escrever. Que obrigação tenho eu de lhe explicar todos os meus sentimentos?”

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