Restava-nos 20
minutos...
Disse-lhe que acenderia
um cigarro e sairia para a varanda observar o espetáculo antes de morrer. Não
poderia me esconder simplesmente. Se estava prestes a acontecer, não perderia
por nada.
Desligamos os
celulares. As últimas palavras de meu amigo foram: “Ah, liguei só para me
despedir, caso algo aconteça”. As minhas foram: “Se acontecer, amigo, saiba que
o amo”. Era recíproco o sentimento.
Não julguem por simples
o acontecimento. Era um evento cósmico. Uma mistura de asteroide com colisão da
lua com a Terra. Não tente entender, pois não é científico, nem tampouco
lógico. Mas era urgente, era imperioso, era falso. Só o que existia era a
imaginação. E, por fazer parte de mim, durante alguns minutos o mundo realmente
acabou.
Lembrei-me de
Montaigne. A morte naqueles instantes já não era algo terrível. Porém, não era
também desejável. Era apenas algo a se esperar tranquilamente, sem medo, ao som
de uma música que toca a alma, ao sabor da fumaça de um cigarro. A natureza
quis assim: quis que a máscara mortuária fosse mais bela do que as quimeras de
nossa imaginação decadente. A natureza se encarregou de meu medo. Já não havia
nada a ser feito, a não ser esperar, apreciando os choques cósmicos.
Devo dizer que havia em
meus olhos uma lágrima nascente. Estava prestes a chorar. Uma lágrima de
nostalgia... Estava me despedindo. De tudo que me ocorreu, que me trouxe riso
ou lágrimas, tudo haveria simplesmente deixar de existir. Eu deixaria de
existir. Era a hora.
Coisas importantes subitamente
tomam conta de nós quando vemos na distância Caronte em seu barco. Desesperados
damos valor ao que antes era trivial. O mundo de pernas pro ar. Não por muito
tempo. A barca se aproxima. E é bom que ela venha. É bela. Quem foi que
inventou a estapafúrdia de que é feio o rosto de Thanatos?
Meu amigo escreveu:
“Adeus dia em que achei que não acordaria, que deprimente fostes, e quão feliz
serias...” Amigo, estávamos realmente felizes. Finalmente vivíamos, mesmo que
em melancolia. Não diria, querido amigo, que deprimente foi aqueles minutos...
antes, nostálgicos. Sentíamos já saudades daquilo que em breve perderíamos. Aí,
então, a beleza que dizes: ao perder a vida, a encontramos. Triste é vivermos
e, por isso, permanecermos mortos...
À Willian Lizardo, companhia por demais elevada, amizade por demais sincera...