Niterói, 15 de novembro de 2012
Vós, os felizes,
por que querem enxugar nossas lágrimas? Que tirania tomou conta de suas mentes
para que pensassem que somos apenas melancólicos? Que ditadura é essa que
querem estabelecer? Felicidade a qualquer custo, eis vosso emblema...
Embriagados pela
alegria saem pelas ruas bradando que a felicidade deveria virar rotina.
Invadem-nos as tabernas onde pessoas choram, ao sabor de um whisky, os males
que a vida os trouxe. Cantam músicas de um felicidade eterna no além, aos pés
de um moribundo no leito de um hospital. “Deixai os mortos sepultar os mortos”
é o mantra que entoam nos funerais. Diante da mãe de seu filho natimorto,
tentam consolar sua dor fazendo-a acreditar que ao nascer o próximo filho, as
lágrimas por este não farão mais sentido. Chamam artistas e filósofos de
depressivos por enxergarem beleza na tristeza, quando, para vocês, apenas a
alegria é digna do Belo.
Quantos desvarios
tomaram conta de vocês!
Que seria da alegria se não houvesse a tristeza? Reinando soberana sobre os
sentimentos, a felicidade, eternamente sentada em seu trono, tornar-se-ia aos
poucos parca. Preto e branco seria sua bandeira. As festas, tão rotineiras,
comportariam corpos que já não se sustentam de tanto dançar; os sorrisos, tão
comuns, deixariam de ser a expressão de um coração agraciado por alegria
efêmera; na face de cada pessoa haveria uma máscara de felicidade: o semblante
da própria tirania.
Os corações não
aguentariam o frenesi dos batimentos que acompanham aqueles momentos que
julgamos ser possível morrer de tanta felicidade. Não haveria ouvido que
aguentasse as eternas gargalhadas que ecoariam onde quer que estivéssemos.
Existindo somente a alegria, ela própria perderia o seu sentido.
Somente a
loucura poderia conceber uma vida em que não houvesse o sofrimento. Se vida terrena
assim já seria insuportável, quem dirá uma vida eterna, na presença de pessoas
e de um Deus tão felizes que desejo suicidar-me só de cogitar tal mundo
fictício.
Creia-me, a
tristeza é o grande tempero do mundo. A tristeza é a mãe de toda a felicidade
que possamos almejar. Por causa dela, lançamo-nos na busca por aquilo que nos
faz bem. De tanto chorar, uma hora enxugamos nossos rostos e saímos para a luz
do Sol. A tristeza é a chuva acalentadora num solo rachado por tantas
imprudências que leva-nos a felicidade. Se não fosse pela tristeza, o pintor
não teria posta na tela aquela lágrima brilhante no rosto da moça que chora
sozinha em meio a multidão. Se não fosse a tristeza, nunca teríamos percebido
essa moça, nem nos encontrado nela; se assim não fosse, nem mesmo teríamos a
sensibilidade que tanto admiramos. Se não existissem corações despedaçados, não
haveria o samba que alegra o povo tão oprimido das cidades. Se não houvesse a
tristeza não haveria Homero, Horácio, Ovídio, Dante, Shakespeare, Montaigne,
Jane Austen, Virgínia Woolf, Stendhal, Dostoiévski, Tolstói, Proust, Oscar
Wilde, Fernando Pessoa, Drummond de Andrade, Florbela Espanca, Vinicius de
Moraes, Toquinho, Tom Jobim, Villa-Lobos, Cartola, Adoniram, João Gilberto,
Elis Regina, Renato Russo, Cássia Eller, e tantos outros que me cansaria só de
escrever seus nomes. Se reinasse a felicidade, o que seria da arte? Por Deus,
se não houvesse a tristeza, não haveria poesia...
A tristeza não
precisa ser soberana. Porém, não pode deixar de existir. A tristeza não deixa a
vida sem graça, pois, ela é a própria graça quando nossos corações estão
alegres e conseguimos rir das tragédias passadas. A tristeza é irmã gêmea da
alegria, embora elas não se deem muito bem, andando sempre separadas.
Quando tristes,
não queremos consumir nossos dias, queremos prolonga-los para vermos no espelho
aquele belo sorriso tão fugidio. A tristeza que acompanha a tragédia é mãe das
mais belas filosofias. Quando tristes queremos estar cada vez mais tristes para
que ela, de repente, deixe de existir, deixando-nos a alegria por estarmos
vivos. A tristeza junta novamente os amantes que perdidos estavam em suas
alegrias egoístas: basta que o amado chore, para que nasça no coração do amante
aquele amor novo e imaculado. A tristeza aproxima dois corações marcados pelo
sofrimento.
Chorar nos torna humanos. Pedras, árvores, rios, céus, mar e tudo quando é divino não chora.
Eles são perfeitos, mas não belos quanto os seres humanos e os animais. Nós
coroamos a Natureza por seremos capazes de derramar lágrimas e sorrir quando
elas secam.
Por isso, não
venham me dizer que não posso estar triste. Não me venham com essa loucura: um
coração aos pedaços é pai de tudo quanto é encantador. A tristeza é bela, pois
é belo o ser humano que, sofrendo, encontra a si mesmo.
A alegria
está-nos reservada para quando leves estiverem nossos sentimentos. Seremos
capazes de sermos felizes quando, após muito sofrer, compreendermos o sentido de
nossa vida. Lá, seremos verdadeiramente felizes, mesmo que isso aconteça
segundo antes de morrermos.
Até lá, não
quero ser completamente feliz. Quero estar incompleto, imperfeito, dando espaço
para a luta eterna entre as irmãs gêmeas, fazendo brotar em mim um mundo novo,
explodindo em cores. A perfeição não encanta, pois é imóvel e imutável. Já
a imperfeição, personificada na tristeza, pode mover-nos... E quão belo somos ao
caminharmos.
Matem a verdade
que diz que a felicidade precisa reinar! Favor maior nunca mais farão. Que
reine a Vida: com ela suas filhas: a alegria e a tristeza. E, quando alguém que
não entende nada sobre os seres humanos vier, aconselhando-te a parar de chorar
e a deixar de sofrer, diga-lhe que sobre a Vida ele tem muito a aprender.
Afinal, os antigos, milhares de anos antes de nascer aquele que vos escreve,
tornaram-se sábios ao compreenderem que se é para nos alegrarmos, que nos
alegremos, porém, quando for para estarmos tristes, que choremos com toda nossa alma.
“... O dia da morte é melhor do que o dia do nascimento.
É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma
casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a
sério!
A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto
triste melhora o coração.
O coração do sábio está na casa onde há luto, mas
o dos tolos, na casa da alegria."
(Eclesiastes 7:1-4)