Niterói, 13 de setembro de 2010
(Gods Panteon - Grizzli)
Quando me ponho a observar o cosmo, a natureza, que me cerca como faço agora ao olhar para o céu e enxergá-lo em tons de cinza e dourado, num típico final de tarde, ao mesmo tempo em que vejo o calmo mar da Baía de Guanabara fazendo-lhe reflexo, sou tomado de admiração, de inspiração, de espanto. Este mundo que vejo é harmonioso, e todas as peças se encaixam. Se porventura alguém mudasse um milímetro que fosse da inclinação do globo, ou invertesse as ordens da estação, tudo deixaria de existir instantaneamente. Num mundo tão ordenado, não poucos disseram: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de tuas mãos” (Sl 19.1). Neste mundo onde os seres humanos se sentem tão ínfimos, tão pequenos diante de uma natureza tão poderosa, algo neles aflora: a necessidade de transcendência.
Como diria Mircea Eliade, um grande historiador e filósofo das religiões: “Basta dizer que ‘o sagrado’ é um elemento da estrutura da consciência, e não um estágio na história da consciência. Um mundo com sentido – e o Homem não pode viver no ‘caos’ – é o resultado de um processo dialético a que se pode chamar manifestação do sagrado. A vida humana adquire sentido ao limitar os modelos transumanos constitui uma das características primárias da vida ‘religiosa’.” (Mircea Eliade, As Origens, p. 9). Fica explicito na fala do historiador a causa da “necessidade de transcendência”. Um homem que vive num mundo, tal como posto acima, onde tudo é ordenado e tudo se encaixa perfeitamente; e neste mundo que o homem não consegue explicar como tudo isso se processa, uma coisa ele faz: cria um ser divino, transcendente, metafísico; ser este que dará conta das explicações que este homem não consegue dar.
Lamentavelmente, esta postura histórica da humanidade a poupou dos questionamentos e da dor de cabeça que é buscar respostas. Abrimos mão da capacidade do questionamento, para acomodarmos na transcendência e na revelação das respostas para aquilo que não compreendemos. Certa vez li que “Não é necessário compreender, mas sim confiar”; ora, confiar em quem? Confiar num deus que dará as respostas para nós seres humanos ignorantes. Não é difícil perceber o quanto a falta de conhecimento nos objetos observados leva o indivíduo a tecer argumentos que colocam em deus a origem do conhecimento.
A necessidade por transcendência a que me refiro aqui tem sua origem na ignorância de um ser humano, contudo, existem outras causas – que falarei mais tarde em outras postagens – como a esperança: esperança diante de uma tragédia, esperança diante de uma doença, esperança diante de uma oportunidade, enfim, esperança; com a gratidão: gratidão pelo sucesso, pela paz de espírito, por um relacionamento amoroso e por ai vai; (certa vez li também que o pior momento de um ateu é não ter a quem agradecer). Enfim, muitas são as causas, mas um dado é fato: a origem da transcendência não tem origem na idéia do ser divino, mas numa expectativa humana. Ou seja, deus não surge por ele mesmo na história da humanidade: o homem o inventa (seja com a fé, seja com argumentos racionais).
Não obstante, pergunto-me se uma vez sabendo da origem da transcendência, ainda recorreríamos a ela para estruturar nosso mundo. Qual o motivo de esperarmos que um deus exista, se não for para nos consolar, ou para nos fazer justiça, ou para lhe agradecermos, ou para cuidar de nós, ou nos fazer companhia? E assim sendo, como pensar que esse deus não é humano/parte do humano? Se quisermos algo contrário a isso, só haveríamos de pensar num deus alheio a tudo isso daqui, completo em sua perfeição, tal como pensaram os epicuristas.
Por que esperar um pós-vida se não for considerando essa vida decadente, injustiça, ínfima, trágica, contingente? Por que esperar um messias se não for considerando que nós não temos peito o suficiente para resolvermos nossas questões sem nos matarmos ou reduzir-nos a bichos? A necessidade transcendência não faz sentido se formos sinceros suficientes com nós mesmos, entendendo que se existe algo que nos transcende, nossa mente não consegue processar, dado a limitação de nossos sentidos (visão, olfato, paladar, tato e audição).
Não quero também ser radical ao extremo e afirmar que acontecimentos “sobrenaturais” não ocorrem. A racionalidade tem seus limites. No entanto, o que discuto é essa “necessidade” de deus, de transcender, de acreditar em algo superior ao próprio homem. Muito bem podemos viver num mundo que está aí, diante de nós, mesmo que nossa vida seja tão curta para usufruir de tantas coisas. Existe sim a possibilidade de tornar as poucas décadas que temos em vida mais compensadora do que toda uma eternidade. Não há necessidade de transcendermos se soubermos como viver e como morrer...