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Das “Cartas de Amor” – Parte V

Niterói, 14 de maio de 2011

Esta, então, é a última carta escrita por nossa apaixonada freira, ao seu amante francês que nunca não lhe correspondia. O seu amor ficou eternizado nestas cartas, e pergunto-me que fim teve Mariana. Morreu ao escrever a última carta por tanto amar? Se enforcou em seu próprio quarto por tanto amar? Ou vendeu sua alma ao diabo por tanto amar? Pois não importa: ela muito amou... e isso já justifica todas as coisas!!!


Quinta Carta

por Mariana Alcoforado

“Escrevo-lhe pela última vez, e espero que você perceba – pela indiferença de termos e de atitude desta carta – que você conseguiu enfim me convencer de que já não me ama, e de que portanto eu não devo mais amá-lo. Enviarei, pois, na primeira oportunidade, tudo o que me resta de seu. Não tema que eu ainda vá lhe escrever. Não colocarei sequer seu nome no pacote. Encarreguei Dona Brites de todos esses detalhes, ela que já estava se acostumando a outro tipo de confidências, tão diferentes disso. As providências dela serão menos suspeitas que as minhas. Ela tomará o cuidado necessário para garantir que você receba o retrato e as pulseiras que me deu.

Mas quero que você saiba que, já faz alguns dias, tenho sentido vontade de queimar e despedaçar essas provas de amor que já me foram tão queridas. Por outro lado, tenho demonstrado tanta fraqueza que você pode não acreditar que eu seja capaz de chegar a esse ponto. Quero sentir ao máximo a angústia de me separar delas, e que isso cause pelo menos alguma irritação em você.
Confesso, para vergonha minha e sua, que me vi mais apegada a essas futilidades do que quero lhe dizer, e que precisei de novo reunir todas as minhas forças para me separar de uma delas em particular, mesmo quando já me gabava de não estar mais tão ligada a você.

Mas, com tantos motivos, chega-se sempre onde se quer. Pus tudo nas mãos de Dona Brites. Quantas lágrimas me custaram essa decisão! Depois de mil impulsos e mil incertezas que você nem imagina, e que não vou lhe explicar, implorei a Dona Brites que não me volte a falar nelas, que nunca mais me entregue nenhuma delas, mesmo que eu peça para vê-las só mais uma vez, e, por fim, para enviá-las sem me avisar.

Não percebi o exagero do meu amor senão quando fiz todos os esforços para me curar dele; e acho que não ousaria tentar se pudesse prever tanta dificuldade, tanta violência. Estou convencida de que teria sido menos angustiante continuar a amá-lo, apesar de sua ingratidão, do que deixá-lo para sempre. Descobri que amava você menos do que à minha própria paixão, e senti uma angústia horrível por ter que combatê-la, depois que sua atitude indigna tornou você odioso para mim.
O orgulho comum às mulheres não me ajudou a tomar decisões contra você. Meu Deus! Suportei seu desprezo, e teria suportado seu ódio, e todo o ciúme que seu amor por uma outra mulher despertaria em mim. Pelo menos teria uma paixão qualquer para combater. Mas sua indiferença é insuportável. Seus impertinentes protestos de amizade, e a ridícula civilidade de sua última carta me fizeram ver que você recebeu todas as outras que lhe escrevi, e que, embora tenha lido todas, elas não perturbaram em nada seu coração. Ingrato! Minha loucura ainda é tamanha a ponto de eu ficar desespera por não poder me iludir achando que elas não chegaram até você, que não lhe foram entregues.

Detesto sua franqueza. Por acaso eu lhe pedi para me dizer a verdade nua e crua? Por que não me deixou com minha paixão? Não precisava ter escrito, eu não estava à procura de explicações. Já não me basta a infelicidade de não ter conseguido de você o cuidado de não me iludir? Seria necessário também não poder mais lhe perdoar? Fique sabendo que estou convencida de que você não merece meus sentimentos, e que agora conheço toda a sua perversidade.

Mas se tudo o que fiz por você pode merecer alguma consideração de sua parte quando eu lhe pedir algum favor, imploro para que não me escreva mais, e para que me ajude a esquecê-lo completamente. Se você demonstrasse alguma tristeza, por pouca que fosse, ao ler esta carta, talvez eu acreditasse; mas talvez também sua confissão e seu arrependimento me causassem desgosto e raiva, e tudo isso poderia de novo me inflamar.

Por isso, não interfira nos meus atos; sem dúvida você destruiria todos os meus projetos, fosse lá como quisesse interferir neles. Não me interessa o destino dessa carta. Não perturbe o estado de espírito que venho me preparando. Parece que você consegue viver sem culpa pelo mal que me causou, qualquer que tenha sido sua intenção de me magoar. Não me tire dessa incerteza. Espero, com o tempo, transformá-la em alguma tranqüilidade. Prometo não odiar você – desconfio muito de sentimentos violentos para ousar alimentá-los.

Estou certa de que encontraria aqui no meu país um amante melhor e mais fiel. Mas quem poderá me amar? A paixão de outro homem conseguiria me envolver? Por acaso a minha conseguiu ter algum efeito sobre você? Já não tenho provas de que um coração apaixonado nunca mais esquece quem lhe revelou emoções que ele não conhecia mas de que era capaz? De que todos os seus impulsos estão ligados ao ídolo que criou para si mesmo? De que suas primeiras impressões e suas primeiras feridas não podem ser nem curadas nem apagadas? De que todas as paixões se oferecem para ajudá-lo, e se esforçam para preenchê-lo e alegrá-lo, prometem-lhe em vão um afeto que ele não encontrará mais? De que todos os prazeres que ele procura, sem nenhuma vontade de encontrar, não servem senão para lhe mostrar que nada lhe é mais cara que a lembrança de seu sofrimento? Por que você me fez conhecer a imperfeição e o desencanto de uma união que não duraria eternamente, e a angústia que resulta de um amor violento que não é correspondido? E por que uma vontade cega e um destino cruel insistem quase sempre em nos ligar àqueles que só por outros se interessam?
Mesmo que eu pudesse esperar algum divertimento de um novo namoro, e que encontrasse alguém sincero, sinto tanta pensa de mim mesma que teria muito escrúpulo de levar nem que fosse o último homem do mundo ao estado em que você me reduziu. E embora eu ao tenho obrigação nenhuma de lhe guardar respeito, não conseguiria me decidir a uma vingança tão cruel contra você, mesmo que, por uma mudança imprevista, isso dependesse de mim.

Procuro nesse momento desculpar você, e sei muito bem que uma freira não deve ser amada; mas acho que, se a razão fosse usada no momento da escolha, devia-se preferi-las às outras mulheres – nada as impede de pensar incessantemente em sua paixão, nem se deixar distrair por mil coisas que dispersam e ocupam as outras. Imagino que não deve ser muito agradável ver aquelas a quem se ama sempre distraídas por futilidades; e é preciso ter bem pouca sensibilidade para suportar, sem irritação, ouvi-las falar o tempo todo de reuniões, enfeites e passeios. Vive-se constantemente exposto a novos ciúmes, porque elas não conseguem se livrar de certos olhares, certos favores, certas conversas. Quem pode assegurar que nessas ocasiões elas não experimentem algum prazer, e que apenas aturem os maridos, com extremo desgosto e má vontade? Como elas vão desconfiar de um amante que não lhes cobre tudo isso, que acredite facilmente, e sem preocupação, em tudo o que disserem, e que as veja, confiante e tranquilo, sujeitas a todas essas obrigações!

Mas não pretendo provar-lhe, com boas razões, que você devia me amar. Esses são meios muito sórdidos, mas já usei outros bem melhores que não deram resultado. Conheço muito bem o meu destino para tentar mudá-lo. Serei uma infeliz pelo resto da minha vida. Já não era quando via você todos os dias? Morria de medo de que você não fosse fiel; queria ver você a todo instante, mas isso não era possível; ficava preocupada com o perigo que você corria ao entrar nesse convento; mal vivia quando você estava em serviço; me desesperava por não ser mais bonita e mais digna de você; reclamava contra mediocridade da minha condição; achava sempre que o apego que você parecia ter a mim podia lhe trazer problemas; tinha medo do ódio de minha família por você; enfim, encontrava-me num estado tão lamentável como o em que me encontro agora.

Se você tivesse dado provas de sua paixão depois que saiu de Portugal, eu teria feito todo o esforço para sair daqui; teria até me disfarçado para ir a seu encontro. Meu Deus! O que teria sido de mim se você não se importasse comigo depois que já estivesse na França!? Que horror! Que loucura! Que vergonha enorme para minha família, a quem tanto quero, depois que deixei de amar você!

Como você pode ver, reconheço friamente que eu podia ser ainda mais digna de piedade do que sou. Pelo menos uma vez na vida falo com você de forma ponderada. Como vai lhe agradar minha moderação, e como você ficará satisfeito comigo! Mas não quero saber! Já lhe pedi, e volto a suplicar, para não me escrever mais.

Você já pensou na maneira como vem me tratando? Nunca pensou que me deve mais obrigações do que a qualquer outra pessoa no mundo? Amei você como uma louca, desprezei todo o resto! Seu comportamento não é o de um homem honesto. Seria preciso que você tivesse por mim uma aversão natural para não ter me amado perdidamente. Deixei-me fascinas por qualidades muito medíocres. O que você fez para me agradar? Que sacrifícios fez por mim? Não procurou mil outros prazeres? Por acaso renunciou ao jogo e à caça? Não foi o primeiro a partir em campanha? Não foi o último a voltar? Você se expôs loucamente, por mais que eu tenha lhe pedido que se poupasse por amor a mim. Nunca procurou meios de se estabelecer em Portugal, onde você era querido. Uma carta de seu irmão foi o suficiente para fazê-lo partir, sem qualquer hesitação. Pois eu vim a saber que, durante a viagem, seu humor era o melhor do mundo.

Confesso que sou obrigada a odiar você mortalmente. Fui eu própria que atraí para mim toda a minha infelicidade! Desde o início, e ingenuamente, acostumei você a uma grande paixão, quando é necessário algum artifício para se fazer amar. É preciso procurar com habilidade as formas de agradar: o amor por si só não desperta amor. Como você queria que eu o amasse, e como tinha planejado esse objetivo, fez tudo que pôde para consegui-lo. Teria até se decidido a me amar, se tivesse sido necessário. Mas percebeu que não era necessário amor para obter êxito em seu empreendimento, e que não precisava dele para nada. Que crueldade! Você pensa que pode me enganar assim impunemente? Se por acaso você voltar a este país, juro que o entregarei à vingança de minha família.

Vivi muito tempo num abandono e num adoração que me horrorizam, e meu remorso me persegue com uma dureza insuportável. Sinto uma enorme vergonha dos crimes que você me fez cometer; já não tenho, coitada de mim, a paixão que me impedia de perceber a extensão deles. Quando meu coração deixará de se sentir despedaçado? Quando é que me livrarei dessa vergonha cruel? Apesar de tudo, acho que não lhe desejo nenhum mal, e acabo admitindo que você seja feliz. Mas como você vai conseguir, se é que tem coração?

Quero ainda lhe escrever uma outra carta para lhe mostrar que, daqui a algum tempo, estarei mais tranqüila. Com que prazer haverei então de recriminar seu comportamento injusto, já que não estarei mais tão intensamente tocada por ele. Você vai perceber que o desprezo, que falo de sua traição, com a maior indiferença; que esqueci todo o meu prazer e sofrimento, e que só lembro de você quando quero me lembrar!

Concordo que você tenha muitas vantagens sobre mim, e que você me despertou uma paixão que me fez perder a razão; mas você não devia se envaidecer disso. Eu era jovem, ingênua; fecharam-me neste convento desde menina; só tive contato com gente desagradável; nunca tinha ouvido os elogios que você me dizia frequentemente; parecia que só a você eu devia o encanto e a beleza que você descobriu em mim, e a qual me fez perceber; eu só ouvia coisas boas ao seu respeito; todo mundo me falava a seu favor; e você fazia tudo para despertar o meu amor. Até que, por fim, livrei-me do encantamento. Você me ajudou muito, e confesso que eu tinha enorme necessidade dessa ajuda.

Devolvo-lhe suas cartas, exceto as duas últimas que me escreveu e que guardarei cuidadosamente. Quero relê-las mais vezes ainda do que li as primeiras, para evitar uma recaída. Mas como eles me custam, e como eu teria sido feliz se você tivesse deixado que eu o amasse para sempre! Reconheço que me ocupo muito ainda com o meu ressentimento e sua infelicidade, mas lembre-se de que prometi a mim mesma um estado razoável, que espero atingir, ou então tomarei contra mim uma decisão drástica, de que você saberá sem grande desgosto. Não quero mais nada de você. Sou uma louca, vivo dizendo a mesma coisa várias vezes. Preciso deixá-lo, e nunca mais pensar em você. Creio mesmo que não voltarei a lhe escrever. Que obrigação tenho eu de lhe explicar todos os meus sentimentos?”

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