Niterói, 01 de abril de 2011
“Enquanto se espera viver, a vida passa.” (Sêneca, Cartas, I, 1-3)
Sei que a todo o momento estás a gritar isso em meu ouvido querido Sêneca. Mas, sinceramente não sei o que acontece comigo. Ela simplesmente passa por mim. Tento segurar seus cabelos, contudo são como águas: escorrendo entre meus dedos. Restando-me apenas vir falar contigo denovo.
Como fazes isso amigo Sêneca? Como consegue que teus sonhos não roubem o prazer do presente, ou a dor do passado a felicidade do dia de hoje? Como consegues pensar na morte e até mesmo esperá-la sem que seu coração chore? Como não lamentas que o calor do Sol, que acaricia seu corpo, logo mais desaparecerá, restando-lhe apenas a noite escura? Como podes sorrir se até ontem choravas? Como vives se presenciaste a morte de alguém tão querido por você? Como amas sem sofrer?
Responda-me amigo! Não me deixe sem respostas porque as perguntas estão a me sufocar...
Sêneca, Metrodoro, aluno de nosso querido Epicuro escreveu ao meu amigo Pítocles:
“Tu me dizes que o aguilhão da carne te leva a abusar dos prazeres do amor. Se não infringes as leis e não perturbas de nenhum modo os bons costumes estabelecidos, se não incomoda nenhum de teus vizinhos, se não esgotas tuas forças e não dissipas tua fortuna, entrega-te sem escrúpulos à tua inclinação. Entretanto, é impossível não ser preso por ao menos uma dessas barreiras: os prazeres do amor não oferecem nenhum proveito para ninguém, já é muito quando não prejudicam.”. (Épicure et ses dieux, p. 40)
Com meu amor, amigo Sêneca, eu perturbei muitas coisas e ainda assim fui feliz, mas quando eu tentei segurar nele, assim como a vida, ele escorreu por entre meus dedos. Sem ele, cada vez fui ficando mais sozinho. Fico agora com minhas marcas, minhas dores, meus desesperos, e ponho a me perguntar se o amor realmente não traz proveito a ninguém como disse Metrodoro...
Outro dia meu amigo, ouvi Sereno, que também és teu amigo dizer-lhe:
“Observando atentamente, descobri em mim certos defeitos muito aparentes, os quais poderia tocar com o dedo, outros que se dissimulam nas regiões profundas, outros enfim que não são contínuos, mas reaparecem somente em intervalos [...] A disposição que me surpreende a ser a mais freqüente (porquanto não me abriria a ti mesmo como a um médico!) é a de não ter francamente me libertado de meus medos e de minhas repugnâncias de outrora, nem mesmo sob seu império.”. (Sêneca, Cartas, 24, 26)
Ora amigo, quando eu passei por vocês e demorando-me um pouco, pus-me a ouvir essa conversa fiquei atordoado, porque para mim não era Sereno que conversava com Sêneca, mas eu mesmo. Se trocassemos as personagens para tu e eu, nada mudaria em que Sereno disse, pois mesmo debaixo de teu império, continuo a errar!
Sei que desde o momento que vim procurar-lhe para falar-te de meus medos, somente eu falei, despejando em cima de ti toda a minha dor. Mas por momento agora me calarei, afim de que me digas algo que alivie meu coração e que traga alguma paz à minha mente...
Meu amigo Alan. Dir-lhe-ei as palavras de nosso querido Horácio, e se ela não acalmarem seu coração de todo, que lhe traga algum consolo:
“Que a alma, feliz no presente, recuse inquietar-se com o que virá em seguida. O presente, sonho para bem dispor, de um espírito sereno. Todo o restante levado como um rio. (Horácio, Odes, II, 16, 35 e III, 29, 33)
O homem justo e firme em sua resolução, nem a fúria dos cidadãos ordenando o mal, nem a face de um tirano que ameaça abalar e consumir seu espírito, não mais que Austero, chefe turbulento do tempestuoso Adriático, não mais que a grande mão de Júpiter fulminante; que o mundo se rompa e desabe, seus restos hão de maravilhar sem aterrorizar.” (Horácio, Odes, III, 3, 1-8)