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Da resposta ao Anônimo

UFF, 20 de maio de 2011

Este post é uma tentativa de resposta a um Anônimo que fez um comentário no meu post anterior, sendo que tal comentário correspondia ao post anterior por sua vez: ... Abaixo o comentário:

“A questão é que o suicídio é sempre um equivoco quanto ao que se pensa não suportar. Quantos que por sorte foram salvos dele e que hoje vêm que havia uma outra saída...há sempre uma saída. Nesse sentido o suicídio é escolher não esperar pela saída.
Viver é bom enquanto se tem esperança. E sempre pode-se ter esperança...”

Sr.(a) Anônimo,

Permita-me expressar melhor o que penso sobre o suicídio, de forma que não fique dúvidas em suas mente.

Quanto ao suicídio ser um equívoco: dizer que o ato de “se matar” constitui uma covardia é basear-se na concepção tipicamente ocidental – que tem suas raízes no pensamento cristão –, na qual, o suicídio é um atentado contra a vida. Raciocínio:

Deus dá sopra o fôlego (vida) no homem. Este, por rebeldia, se volta contra o Criador, pecando dessa forma. Num ato de misericórdia, Deus envia Jesus ao mundo para salvar este homem rebelde. E a partir da salvação, o homem consagra sua vida a este Deus que mostrou misericórdia para com ele.”

Ora, se Deus concede uma nova esperança ao homem, que é Jesus, e que por ser Deus nunca morrerá, essa esperança nunca deixará de existir, como você mesmo disse Sr.(a) Anônimo. E uma vez salvo, Deus (e a Igreja – por motivos diferentes) espera que esse homem seja grato a Ele e se consagre ao mesmo. Portanto, suicidar-se, no pensamento cristão, e por conseguinte, no ocidental, é um ato de ingratidão – já que Deus deu a vida como um dom, como pode o homem querer tirar de si?) –, de rebeldia – uma vez que este homem nega cumprir com os “propósitos” da divindade para com ele –, de covardia – por não ter confiado nessa esperança que é Jesus, quando ele está prestes a tirar qualquer um dessa situação deplorável – e de irreflexão – pois se o suicida pensasse melhor, sem se esquecer que o inferno é a eterna morada para que retira sua vida, ele não se mataria.

Nisso tudo, veja o enorme problema que um aspirante ao suicídio se depara ao pensar em sua própria morte?! Olha quanto “equívoco” – para citar suas próprias palavras Sr.(a) Anônimo – ele estaria cometendo se se matasse?! Quantas coisas ele estaria forçando a divindade a fazer com ele...

Contudo, como disse, essa é a forma ocidental de se pensar o suicídio. E como nós somos frutos do meio, agimos de acordo com o costume pré-estabelecido, e como nossa mente faz parte de uma consciência coletiva, conforme Émile Durkheim, como pensar diferentemente da ótica cristã acerca do suicídio? É praticamente impossível. Daí o espanto das pessoas ao tomarem conhecimento que determinado indivíduo suicidou-se. Ademais, existem outras culturas, e outros posicionamentos com relação ao suicídio. Citarei apenas dois que se contrapõem a concepção cristã:

Veja, para um Samurai – “aquele que serve” – que vivia a ética e a moral do Bushidô – “caminho do guerreiro” – a morte por si mesma é preferível à desonra da derrota, na medida em a morte que pela sua própria espada – a alma do guerreiro – restabelecia a dignidade do guerreiro. Morrer pela própria mão é mais honroso que morrer em derrota. E não só nos combates, mas o samurai cometia também o seppuku/harakiri – “cortar o ventre” – quando a honra de seu nome era manchada, ou até mesmo quando o Imperador pedia sua morte: ele como servo retirava sua própria vida, acreditando, assim, morrer com as maiores honrarias. Por tudo isso, pode perceber que o suicídio entre os samurais, e de certa forma no Japão medieval como um todo, não é um ato de covardia, pelo contrário, de coragem, honra, e dignidade. Perceba quão diferente é a moral no Ocidente cristão e da Bíblia, e no Oriente e do Bushidô.

(Seppuku / Harakiri)

E não só no Japão, como na Grécia Antiga, a moralidade é pensada de maneira diversa. A morte é inerente à vida, própria dela. E por não se ter a concepção cristã – uma vez que o Cristianismo ainda não existia quando os filósofos questionaram-se sobre esses assuntos – de que a morte é um atentado contra Deus, que o suicídio não é um “não esperar pela saída” (como você disse), ninguém se sentia um imoral por se matar. A vida na Grécia Antiga não é um dom de Deus, e que por isso deve ser preservada. Não! Antes de tudo ela é um instrumento que pode trazer Kléos – brilho no grego: quer dizer fama – à um indivíduo, e um meio de satisfazer os desejos de cada um, cabendo a este deliberar se deve esperar para morrer na velhice ou retirar-se do palco em momento oportuno. Como disse Sêneca: o importante não é a duração de um espetáculo, mas o quão boa foi a peça. A vida para um filósofo só era válida quando fosse livre – físico ou existencialmente – e a morte deveria ser também a consumação da liberdade, da auto-suficiência e da impertubabilidade.

(A morte de Sócrates - Jacques-Louis David)

Esclareço que não faço apologia ao suicídio que tem como causa o mal-estar existencial, a depressão, o niilismo – embora sejam as maiores causas dele atualmente. Os filósofos da Grécia Antiga se oporiam ao suicídio por conta delas. À exemplo: Plotino, filósofo nascido no Egito, um dos pais – senão O pai – do neoplatonismo, teve um discípulo chamado Porfírio, que em determinada época esteve muito deprimido. Ao comunicar ao mestre seu desejo de retirar-se da vida, Plotino repreendeu seu aluno e disse-lhe que fosse viajar. De regresso Porfírio afirmou que já estava melhor, e feliz novamente. Plotino então ensina ao seu aluno que a morte não é a solução para os problemas da vida, pois estes se resolvem “em vida” – como o próprio conceito já diz. O suicídio não é um escape, mas deve ser uma liberdade, uma prontidão – na medida em que a pessoa se considera pronta para partir.

Da mesma forma que os filósofos, eu não concordo com este suicídio desesperado. Mas sou totalmente a favor do suicídio deliberado, quem tem a data final num momento em que o indivíduo está bem, feliz, realizado. E como disse Sêneca em sua carta LXXVII, entítulada “Do suicídio”: “Seria uma viagem incompleta se parássemos na metade ou antes do lugar estabelecido? A vida não é incompleta se é honesta. Onde quer que pares, se parares bem, estará completa.”

Por fim, se uma pessoa vier a mim dizendo que está muito mal e que por isso quer se matar, eu falarei para que ela viaje, que conheça novas pessoas, novos lugares, respire novos ares. Pois sim, há sempre saídas para as situações ruins, pois como disse Spinoza: “A alma esforça-se por imaginar apenas as coisas que põem a sua capacidade de agir.” (Proposição LIV, III, Ética). Ou seja, uma alma que possui o verdadeiro conhecimento – conhecimento das causas de suas ações – verá que ela só pode se esforçar para as coisas que a alegrem – em outras palavras: sua capacidade de agir. Porém, se vier alguém que esteja bem, completo, realizado, e em paz consigo mesmo afirmando ter chegado ao fim de sua vida, falarei sem peso na consciência: “Onde quer que pares, se parares bem, estará completa.”

Afinal, qual a imoralidade do suicídio senão aquela que a religião lhe conferiu?

Alan B. Buchard

Ps: Apesar de enorme texto, espero que o Sr.(a) Anônimo tenha entendido que nem para todos o suicídio é uma questão de covardia, mas uma questão de liberdade diante da própria vida; não um mero escape... Espero ter-me feito claro!!!

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