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Das “Cartas de Amor” - Parte I

Niterói, 30 de maio de 2011

Achei essa coletânea de cartas quando buscava por Montaigne, na sessão de Literatura Francesa, na Biblioteca Central do Gragoatá, na UFF. Não poderia ter sido uma busca mais frutífera: além de ter encontrado Montaigne, encontrei Mariana Alcoforado.

Bela freira portuguesa – o “bela” é por minha conta – que se apaixonou por um militar francês conhecido como conde de Chamilly, cujo verdadeiro nome era Noel Bouton, no ano de 1663. “Os irmãos e um cunhado de Mariana Alcoforado, oficiais do exército português, é que apresentaram a freira ao conde de Chamilly, numa das muitas visitas que esses rapazes faziam ao convento.” (Cartas de Amor – Mariana Alcoforado, coleção Lazuli, ano 1992, p. 12). Mas eis que ocorre o trágico: eles se separam... Restando apenas as cartas da freira ao militar. Ao todo foram seis cartas de amor, que, acho, nunca foram correspondidas como Mariana gostaria...

E nada mais tenho a falar, a não ser que leiam cada carta, destilando todo o sofrimento e todo amor dessa freira por esse militar. E que da mesma forma, observem os motivos da ruptura e o que veio após ela.



Primeira Carta

por Mariana Alcoforado

“Pense no quanto você não conseguiu prever o que aconteceria, meu amor. Quanta infelicidade! Fomos traídos por falsas esperanças. A paixão em que você depositava tantos planos de alegria não lhe causa hoje senão extrema angústia, só comparável à própria crueldade da ausência que ela mesma provoca.

Será que essa ausência – à qual minha dor, por mais complexa que seja, não consegue dar um nome amargo o suficiente –, será que me privará para sempre de olhar nesses olhos em que eu via tanto amor, que me moviam, que me enchiam de alegria, que me valiam por todas as coisas e que, enfim, me bastavam?

Eis que os meus é que foram privados da única luz que os animava. Não lhes resta senão as lágrimas. E eu não os tenho empregado em nenhum outro objetivo que o deste choro ininterrupto – depois de compreender que você se decidiu por um afastamento tão insuportável para mim que me fará morrer em pouco tempo.

Mas parece que eu tenho uma fixação qualquer até mesmo por essa infelicidade de que você é a única causa. Assim que o vi, entreguei-lhe minha vida; e sinto mesmo algum prazer em sacrificá-la por você.

Mil vezes ao dia envio na sua direção os meus suspiros; eles procuram você por todos os lugares e, como recompensa para tanta ansiedade, não me trazem senão a mais franca advertência da minha má sorte – ela que é cruel o bastante para não tolerar que eu me iluda, e que me diz a todo momento: pare, Mariana, sua louca, pare de se consumir em vão, de procurar por um amante que você não verá nunca mais, que atravessou os mares para fugir de você, que está na França mergulhado em prazeres, que não pensa um único instante nessas suas dores, e que, ingrato, dispensa todo esse seu delírio.

Mas não, não posso chegar ao ponto de julgá-lo tão ofensivamente, e estou mais interessada em justificar você: absolutamente não consigo imaginar que você me esqueceu. Já não estou infeliz o suficiente para me deixar atormentar por falsas suspeitas?

E por que devo me esforçar para esquecer todo o cuidado com que você me declarou seu amor?

Fiquei tão seduzida por sua delicadeza que seria ingrata se não amasse você com o mesmo ímpeto a que minha paixão me conduzia enquanto eu gozava do testemunho da sua. Como é possível que lembranças de momentos tão agradáveis tenham se tornado tão cruéis? E – como que contra a natureza – não sirvam senão para tiranizar meu coração?

Eis que sua última carta reduziu-o a um estranho estado: ele palpitava tão exaltado que parecia se esforçar para se separar de mim e ir ao seu encontro. Fiquei tão abalada por todas essas emoções violentas que perdi os sentidos por mais de três horas. Era o modo de eu me proteger, de não ter que voltar a uma vida que devo perder por você, já que não posso mais conservá-la para você.

No final, voltei a mim, ainda sem querer, eu que já me vangloriava de sentir que morria de amor. Aliás eu gostava da idéia de já não precisar ver meu coração dilacerado pela saudade. Depois desse desmaio, tive várias diferentes indisposições – mas como poderia eu não adoecer se não o verei mais? Suporto esses males, no entanto, sem me queixar, pois eles vêm de você. Será essa a recompensa que me dá por eu ter amado você com tanta ternura?

Mas não importa. Estou decidida a adorar você por toda a minha vida, e a não ver qualquer outra pessoa. Tenho certeza de que seria melhor se também você não amasse mais ninguém. Será que você se contentaria com uma paixão menos ardente do que a minha? Talvez você encontre mais beleza (embora tenha dito que sou bonita). Mas não encontrará jamais tanto amor. E todo o resto não é nada.

Não preencha mais suas cartas com coisas inúteis, nem me diga mais para eu me lembrar de você. Não consigo esquecê-lo. E não me esqueço também de que você me fez esperar; de que viria passar algum tempo comigo. Ah! Por que não vem passar toda a sua vida?

Se me fosse possível sair dessa clausura infeliz, eu não ficaria esperando aqui em Portugal pelo resultado de suas promessas – sem medir distância, iria procurar você, acompanhar e amar você por todo o mundo. Não ouso ter a ilusão de que isso possa acontecer, nem quero, de modo algum, alimentar uma esperança que certamente me proporcionaria prazer – porque só quero mesmo sentir a minha dor.

Mas confesso que surpreendi em mim uma onda de alegria quando meu irmão permitiu que eu escrevesse a você, e que isso conteve por algum instante a angústia em que me encontro. Imploro que me diga por que insistiu em me seduzir daquela forma, se já sabia que teria de me abandonar. Por que tanta obstinação em me causar infelicidade? Por que não me deixou em paz na minha clausura? Que mal fiz a você? Mas peço perdão. Não atribuo nada a você. Não tenho condições de pensar em vingança. Acuso unicamente o rigor do meu destino.

Parece-me que, ao nos separar, ele nos fez todo o mal que podíamos temer. Mas não saberá separar nossos corações. O amor – mais poderoso que ele – uniu-os por toda a nossa vida. Se você tem algum interesse na minha, escreva-me muitas vezes. Mereço ao menos que me mantenha informada sobre seus sentimentos, sua vida.

Adeus. Não consigo me afastar desse papel que chegará a suas mãos. Quisera eu ter a mesma sorte. Que louca sou! Pois sei muito bem que isso não é possível. Adeus, não agüento mais. Adeus. Que você me ame sempre. E me faça sofrer ainda mais.”

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