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Das “Cartas de Amor” – Parte II

Niterói, 03 de junho de 2011

Continuo, pois, a postar as cartas de amor não correspondido da freira portuguesa Mariana Alcoforado, para o Conde de Chamilly. Devo dizer que esta é uma das maiores cartas... portanto, aquele que quiser ler deverá ter mais um pouco de paciência. Na verdade, não precisa de paciência, pois este se refere à coisas monótonas e desinteressantes, que é absolutamente o contrário do que está escrito aqui...


Segunda Carta

por Mariana Alcoforado

“O seu tenente acaba de me dizer que um temporal obrigou vocês a arribar no reino do Algarve. Você deve estar sofrendo muito no mar, e essa preocupação tem me ocupado a tal ponto que já não penso mais no meu próprio sofrimento. Percebeu que até mesmo seu tenente participa mais do que eu de tudo o que lhe acontece? Por que ele é mais informado que eu? E por que você não me escreveu?

É horrível pensar que você não tenha encontrado oportunidade para isso desde que partiu; pior ainda se encontrou e, mesmo assim, não escreveu. São demais essa ingratidão, essa injustiça. Mas eu entraria em desespero se por causa delas acontecesse algum mal a você. Prefiro não ser vingada a que você seja punido.

Resisto a todos os indícios que me queiram convencer de que você não me ama mais. Sinto mais vontade de me entregar cegamente à minha paixão do que às razões que tenho para reclamar do seu descaso. Eu teria sido poupada de muita agonia se sua atitude, logo nos primeiros dias em que o vi, tivesse sido tão desinteressada quanto me parece agora. Mas quem não se deixaria enganar, como eu, por tanta dedicação, e a quem não pareceria sincera? Como é doloroso ter que desconfiar, depois de tanto tempo, da honestidade daqueles que amamos.

Sei muito bem que você se serve de qualquer desculpa, por menos que seja. Mas mesmo que não tenha o cuidado de comunicá-la a mim, meu amor é tão fiel que eu só me permito julgar você culpado se for para gozar ainda mais do prazer de justificar você. Você que me consumiu com sua insistência, que me inflamou com sua excitação, me fascinou com sua delicadeza e me fez confiar em suas promessas. Minha violenta atração me seduziu. E o que se seguiu a essa começo tão delicado e feliz foram apenas lágrimas, suspiros, e uma morte dolorosa, irremediável.

É verdade que tive sentimentos surpreendentes amando você. Mas eles me custam dores estranhas; e todas as emoções que você me causa são extremas. Se eu tivesse resistido com obstinação a seu amor, se tivesse dado algum motivo de desgosto ou ciúme – para inflamar você ainda mais –, se você tivesse percebido alguma farsa reserva na minha conduta, se eu tivesse aceitado opor minha razão à atração natural que tenho por você (e a qual você logo me fez perceber), ainda que meus esforços fossem sem dúvida inúteis, você podia me punir severamente, e usar de seu poder.

Mas eu o achei atraente antes mesmo de você dizer que me amava. Declarou-me uma grande paixão, fiquei fascinada por ela e me entreguei perdidamente a amar você. Se você não estava cego como eu, por que então permitiu que eu chegasse ao estado em que me encontro? O que você esperava de um impulso que não lhe poderia ser senão muito incômodo? Você sabia muito bem que não ficaria muito tempo em Portugal... Então por que escolher a mim para deixar aqui tão infeliz? Com certeza você teria encontrado nesse país alguma mulher mais bonita, com quem pudesse gozar do mesmo prazer – afinal o que você procurava era mesmo essa vulgaridade; uma mulher que fosse sua amante fiel enquanto estivesse com você, a quem o tempo pudesse consolar dessa sua ausência; e a quem você poderia deixar sem traição nem crueldade.

Seu comportamento é mais próprio de um tirano interessado em perseguir do que de um amante que só deveria pensar em agradar. Por que pressionar tanto assim um coração que é seu? Sei muito bem que é tão fácil para você se deixar levar contra mim quanto eu me deixei levar a seu favor. Eu teria resistido a motivos bem mais fortes do que esses que obrigaram você a me deixar – sem que precisasse, para tanto, invocar meu amor por você; e sem achar que isso significaria estar fazendo algo de incomum. Todos os motivos iam parecer insuficientes, e nenhum deles jamais conseguiria me tirar de perto de você.

Mas você quis se aproveitar de todos os pretextos que encontrou para voltar à França. Um navio partia... por que não o deixou partir? Sua família tinha escrito... mas você não sabe de toda a perseguição que tenho sofrido por parte da minha? Sua honra obrigava-o a me abandonar... e por acaso eu cuidei da minha? Você era obrigado a servir seu Rei... mas se tudo o que dizem dele é verdade, ele absolutamente não estava precisando dos seus serviços, e teria dispensado você.
Como eu seria feliz se tivéssemos passado nossa vida juntos! Mas se foi inevitável que uma ausência cruel nos separasse, devo ao menos estar satisfeita por não ter sido infiel a você, e por não ter desejado, por nada nesse mundo, fazer uma coisa tão perversa.

Conhecendo-me tão profundamente, e a meu carinho mais íntimo, como você foi capaz de me deixar para sempre, e de me expor ao tormento de achar que só se lembra de mim quando é para me sacrificar a uma nova paixão? Sei que estou louca de amor por você; no entanto, absolutamente não me queixo de toda a violência dos impulsos de meu coração; acostumei-me com essa tortura, e já não poderia viver sem esse prazer que vou descobrindo: amar você entre tanta dor.

Mas eu tenho sido constantemente perseguida por uma enorme decepção, pelo ódio e pelo desgosto por todas as coisas. Minha família, meus amigos e este convento são insuportáveis. Odeio tudo o que sou obrigada a ver, e tudo o que faço por necessidade. Tenha essa espécie de ciúme de minha paixão por você, como se todas as minhas atitudes, e todas as minhas obrigações devessem dizer respeito a você. É, tenho escrúpulos de não dedicar todos os momentos da minha vida a você. O que seria de mim sem esse ódio e sem esse amor que afinal me enchem o coração?

Será que vou conseguir sobreviver a isto que me ocupa o tempo todo? Que vou conseguir levar uma vida tranqüila e despreocupada? Esse vazio e essa indiferença não me servem para nada. Todo mundo já percebeu minha completa mudança de humor, de comportamento, de personalidade. Minha mãe falou sobre isso comigo, primeiro com irritação, depois com certa tolerância. Nem sei o que lhe respondi, acho que confessei tudo. Até mesmo as freiras mais severas têm pena do estado em que me encontro, e que desperta nelas alguma consideração, e algum cuidado para comigo. Todo mundo se deixa comover pelo meu amor, enquanto você se mantém nessa profunda indiferença, me escrevendo cartas frias, repetitivas, com metade do papel em branco, atitude indelicada de quem parece estar morrendo de vontade de terminá-las.

Dana Brites insistiu, esses últimos dias, para que eu saísse do meu quarto. Acreditando me divertir, ela me levou para passear na varanda, de onde se avista Mértola. Aceitei acompanhá-la, mas logo fui ferida por uma lembrança cruel, que me fez chorar o resto do dia. Ela me levou de volta, e eu me atirei na cama, pensando em como tenho pouca esperança de me curar um dia. Tudo o que se faz para me confortar piora meu sofrimento, e acabo vendo os próprios remédios como motivos de mais aflição.

Muitas vezes vi você passar dali, com aquele seu jeito que me encantava; e foi naquela mesma varanda que eu estava no dia fatal em que comecei a sentir os primeiros sinais da minha paixão infeliz. Tive a impressão de que você queria me agradar, embora não me conhecesse. Convenci-me de que você tinha me notado entre todas as outras que estavam comigo. Achei que, quando você parava, era como se gostasse de saber que eu o observava e que admirava a graça e a destreza com que você conduzia o cavalo; e fiquei surpresa com o medo que tive quando você precisava fazê-lo atravessar uma passagem difícil. Enfim, eu estava secretamente interessada em todos os seus movimentos, senti que você não me era, de modo nenhum, indiferente, e tomei para mim tudo o que você fazia.

Você sabe muito bem o que aconteceu depois desse começo. Embora eu não tenha motivos para poupá-lo, não deve escrever sobre isso, para que você não se sinta ainda mais culpado, se é possível, do que já é; e para que não precise me censurar pelos esforços inúteis que o obrigasse a ser fiel a mim. Você nunca será. Como posso esperar de minhas cartas e queixas o que nem mesmo meu amor e minha total entrega conseguiram dessa sua ingratidão?

Não tenho dúvida de minha infelicidade; sua atitude injusta não me deixa motivo para duvidar, e devo esperar pelo pior mesmo, já que você me abandonou. Será que somente a mim você seduz? Ou será que outros olhos também acham você atraente? Creio que não ficarei de modo algum aborrecida se os sentimentos das outras justificarem os meus; gostaria que todas as mulheres da França achassem você atraente, mas que nenhum amasse ou satisfizesse você. Essa idéia é ridícula e impossível – mas já tive provas de que você não é capaz de grande dedicação, e certamente não vai precisar de nenhuma ajuda para me esquecer, nem mesmo de uma nova paixão para levá-lo a isso. Talvez eu até preferisse que você tivesse um pretexto razoável. Eu ficaria ainda mais infeliz, é verdade, mas pelo menos você não seria tão culpado.

Vejo que você ficará na França sem grandes prazeres, e com inteira liberdade. O cansaço de uma longa viagem, alguma conveniência e o medo de não corresponder a meu amor é que devem retê-lo aí. Mas não precisa ter medo por mim! A mim me basta ver você de tempos em tempos, e apenas saber que estamos então no mesmo lugar. Mas talvez eu esteja me iludindo; talvez você se deixe cativar muito mais pela frieza e pela austeridade de uma outra mulher do que por meu carinho. Será possível que a indelicadeza seduza você? Mas antes que você se envolva numa grande paixão, pense bem na dimensão do meu sofrimento, na incerteza de meus projetos, na contradição de meus sentimentos, na extravagância de minhas cartas, na minha confiança, no meu desespero, no meu desejo e no meu ciúme. Você vai se sentir tão infeliz! Imploro que você tire algum proveito do estado em que me encontro, e que pelo menos não seja em vão isso que sofro por você.

Há cinco ou seis meses você me fez uma delicada confidência: disse, com toda a sinceridade, que tinha amado uma mulher no seu país. Se é ela que impede você de voltar, mande dizer, sem escrúpulos, para que eu pare de me mortificar aqui. Algum resto de esperança ainda me anima; mas, se não puder alimentá-la, prefiro perdê-la de vez, e me perder a mim mesma. Mande-me um retrato e algumas cartas dela, e me conte tudo o que ela diz a você. Quem sabe não vou encontrar nisso razões para me consolar, ou para me afligir ainda mais.

Não posso ficar por muito mais tempo no estado em que me encontro; qualquer mudança me fará bem. Gostaria também de ter o retrato de seu irmão e de sua cunhada. Tudo o que, de qualquer forma, se relaciona a você me sensibiliza. Serei inteiramente dedicada a tudo o que diz respeito a você. Não me resta nenhuma disposição quanto a mim mesmo. Há momentos em que acho que eu seria capaz de tal submissão a ponto de concordar em servir à mulher que ame você. O desprezo e a dureza com que você me trata me humilham de tal modo que eu sequer ouso pensar em sentir ciúmes, com medo de desagradar você; e sinto mesmo toda a culpa do mundo por acusá-lo. Muitas vezes também tenho a convicção de que não devia manifestar de modo tão arrebatado um sentimento que você desaprova.

Faz tempo que um oficial está esperando por essa carta lá fora. Tentei escrever de forma a não aborrecer você, mas a carta ficou tão extravagante que é melhor terminá-la. Mas como é difícil conseguir! Quando lhe escrevo, parece que estou falando com você, e que você está um pouco mais presente. A próxima carta não será nem tão longa nem tão intempestiva – você vai poder abrir a ler com essa certeza que lhe dou agora. Na verdade, não devo falar de uma paixão que incomoda você, e não falarei mais.

Dentro de poucos dias, vai fazer um ano que me entreguei a você sem reservas. Sua paixão me pareceu tão ardente e tão sincera que jamais pensei que minha demonstração de amor fosse incomodar você a ponto de obrigá-lo a percorrer quinhentas léguas, expondo-se a naufrágios, para se afastar de mim. Ninguém nunca me tratou assim. Você devia se lembrar do meu pudor, de minha confusão e de meu desatino; mas você não se lembra de nada que o tenha levado a me amar contra sua vontade.

O oficial que vai levar essa carta avisou-me pela quarta vez que precisa partir. Como ele tem pressa! Com certeza deve estar abandonando alguma infeliz aqui neste país. Adeus. Sofro mais por terminar essa carta do que você sofreu para me deixar, talvez para sempre. Adeus. Não ouso chamar você de mil nomes carinhosos, nem a me entregar completamente a tudo o que estou sentindo. Amo você mil vezes mais que a minha própria vida, e mil vezes mais do que posso imaginar. Como eu desejo você! Mas como você é cruel comigo! Você nunca me escreve; não posso deixar de dizer isso ainda. Estou recomeçando, e o oficial vai partir. Que parta. Não importa. Escrevo mais para mim do que para você; procuro apenas me aliviar.

O comprimento dessa carta vai assustá-lo; você não vai ler. O que fiz para ser tão infeliz? Por que você envenenou minha vida? Por que não nasci em outro país? Adeus. Me desculpe. Já não me atrevo a pedir que você me ame. Está vendo a que meu destino me reduziu? Adeus.”

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