Niterói, 07 de junho de 2011
Terceira Carta
por Mariana Alcoforado
“O que vai ser de mim? O que você quer que eu faça? Estou tão longe de tudo o que imaginei. Esperava que você me escrevesse de todos os lugares por onde passasse, que suas cartas fossem bem longas, que você alimentasse meu amor com a esperança de que eu fosse rever você; que a inteira confiança na sua fidelidade me trouxesse algum conforto, e que, apesar de tudo, eu ficasse num estado razoavelmente suportável, sem tanto sofrimento.
Cheguei mesmo a traçar alguns planos inconsistentes de fazer todo o esforço de que sou capaz para me curar, se eu pudesse saber com certeza que você me esqueceu para sempre. Sua ausência, alguns impulsos de dedicação, o medo de arruinar de vez o que me resta de saúde – por tantas noites em claro e por tanta aflição –, a incerteza quanto ao seu retorno, a frieza de seus sentimentos e de sua despedida, sua partida fundada em falsos pretextos, em mil outras razões, que são tão boas quanto inúteis, pareciam prometer-me ajuda suficiente, se eu viesse a precisar. Não tendo, enfim, a quem combater senão a mim mesma, eu não podia jamais calcular toda essa minha fraqueza, nem imaginar tudo o que hoje sofro.
Ah, como é lamentável não partilhar com você meu sofrimento, e sentir sozinha tanta infelicidade! Esse pensamento me mata, e eu morro de medo de imaginar que você nunca tenha sentido com igual intensidade nosso amor. É, hoje eu sei da falsidade de seus intenções; você me enganou toda vez que me disse que se sentia maravilhado quando estava a sós comigo. Devo somente à minha insistência seus cuidados e seu êxtase. Propositalmente você traçou um plano para me enlouquecer; você nunca considerou minha paixão senão como uma vitória, e seu coração nunca foi profundamente tocado por ela. Será você tão perverso e indelicado a ponto de que tenha sido esse o único proveito que soube tirar de meus sentimentos? E como é possível que com tanto amor eu não tenha conseguido fazer você realmente feliz?
Lamento – só por amor a você – a felicidade infinita que você perdeu. Será possível que você não tenha desejado desfrutar dela? Se você imaginasse o que é essa felicidade, sem dúvida descobriria que é mais delicada do que a que você sentiu por me seduzir; e compreenderia que é bem melhor e mais emocionante amar violentamente do que ser amado.
Já não sei quem sou nem o que faço ou o que desejo. Estou despedaçada por mil sentimentos contraditórios. Pode-se imaginar um estado mais deplorável? Eu amo você tão perdidamente, e poupo tanto você a ponto de não ousar sequer desejar que você seja perturbado por uma obsessão igual a essa. Eu me mataria, ou morreria de desespero se soubesse que você nunca mais teria descaso, que sua vida é somente conflito e aflição, que você não pára de chorar, e que tudo lhe é repulsivo.
Se não consigo suportar meu próprio sofrimento, como poderei aguentar, a dor que o seu vai me causar, já que serei mil vezes mais sensível a ele? Mesmo assim como não consigo desejar que você pare de pensar em mim. E, falando sinceramente, tenho profundo ciúme de tudo o que, aí na França, lhe dá prazer e alegria, e emociona seu coração.
Não sei por que lhe escrevo. Percebo muito bem que você não tem senão pena de mim; eu absolutamente não que sua piedade. Tenho raiva de mim mesma quando penso em tudo aquilo que sacrifiquei por você. Perdi minha reputação, sujeitei-me ao ódio de meus parentes, à severidade das leis deste país contra às religiosas, e à sua ingratidão – que me parece o maior de todos os males. Por outro lado, sei que meus remorsos não são verdadeiros; que eu queria, do fundo do meu coração, ter corrido os maiores riscos por amor a você. Sinto na verdade um prazer mórbido por ter arriscado minha vida e minha honra por você. Não devia colocar à sua disposição todo o que tenho de mais precioso? E não devo estar satisfeito por ter feito o que fiz? O que não me satisfaz mesmo é meu sofrimento e a loucura desse amor; muito embora eu não possa me iludir de que estou satisfeita com você.
Contraditória que sou, vivo fazendo tanto para conservar minha vida quanto para perdê-la. Eu morro de vergonha. Meu desespero estará só nas minhas cartas? Afinal, se eu amasse você tanto quanto já disse mil vezes, já não estaria morta há muito tempo? Enganei você. Você é que devia queixar de mim. Por que não se queixa? Vi você partir, mas não tenho esperança de vê-lo voltar; mesmo assim, continuo a respirar. Traí você, e peço perdão por isso. Mas não me perdoe. Seja duro comigo. Você não acha que meus sentimentos são muito exagerados? Você promete me mandar dizer que quer que eu morra de amor por você? Imploro que me ajude a superar a fraqueza típica do meu sexo, que me impede de acabar com esse conflito num golpe de desespero. Um fim trágico obrigaria você, sem dúvida, a pensar mais em mim; eu seria uma lembrança querida para você, e quem sabe você não seria profundamente tocado por uma morte extraordinária. Isso não é melhor do que o estado a que você me reduziu?
Adeus. Eu queria jamais ter conhecido você. Mas não! Eu sinto a grande mentira que é esse meu desejo. E sei a grande mentira que é esse meu desejo. E sei, no momento em que lhe escrevo, que prefiro a infelicidade de amar você do que a idéia de nunca ter conhecido você. Aceito minha má sorte, portanto, sem reclamar, já que você não quis torná-la melhor. Adeus. Prometa que vai sentir saudade de mim se eu morrer de tristeza; e que pelo menos a loucura de minha paixão possa causar em você desgosto e indiferença por todas as coisas. Esse consolo me basta. E se for preciso abandonar você para sempre, prefiro não deixar você para nenhuma outra.
Será que você seria cruel o suficiente para usar meu desespero no intuito de se mostrar ainda mais atraente, gabando-se de ter provocado a maior paixão do mundo? Adeus mais uma vez. Escrevo cartas muitos longas, não tenho consideração por você. Peço que me perdoe. E ouso esperar que você tenha alguma indulgência por uma pobre insensata que – como você sabe – não era assim antes de amar você.
Adeus. Reconheço que falo demais do estado insuportável em que me encontro; mas agradeço a você, do fundo do meu coração, o desespero que você me causa; detesto a tranqüilidade em que eu vivia antes de conhecer você. Adeus. Meu amor aumenta a cada momento. Quanto coisa ainda tenho para dizer!”