Niterói, 13 de maio de 2011
por Mariana Alcoforado
“Acho que acabo causando um mal enorme aos meus sentimentos quando me esforço para explicá-los a você numa carta. Como eu ficaria feliz se você pudesse compreende-los pela intensidade dos seus! Mas não devo confiar em você, nem posso deixar de dizer – ainda que sem a violência com que sinto – que você não devia me maltratar desse jeito, com um desprezo que me leva ao desespero, e que chega a ser vergonhoso para você. É justo que você suporte pelo menos as queixas dessa infelicidade que previ quando você decidiu me deixar.
Sei muito bem que me enganei ao pensar que sua atitude era mais bem-intencionada do que de costume; afinal, meu amor extremado parecia colocar-me acima de quaisquer suspeitas, e merecer mais fidelidade do que é normal encontrar. Mas a sua disposição de me trair venceu em fim a justiça que você devia a tudo o que fiz por você. Minha infelicidade não acabaria se eu soubesse que você me ama somente porque eu amo você – eu que queria dever tudo unicamente ao seu desejo natural por mim. Mas essa possibilidade é tão remota que já estou há seis meses sem receber uma carta sua.
Atribuo toda essa infelicidade à cegueira com que me deixei unir a você. Não devia eu ter previsto que meu prazer terminaria mais depressa que meu amor? Como eu podia esperar que você ficasse em Portugal pelo resto de sua vida, que renunciasse a seu futuro e a seu país para pensar somente em mim? Não há alívio possível para meu sofrimento, e a lembrança daquele prazer me enche de desespero. Será que todo o meu desejo foi inútil, então, e que jamais verei você de novo em meu quarto, cheio de ardor e do êxtase que me mostrava? Meu Deus, como me iludi!
Sei que todas as emoções que ocupavam minha cabeça e meu coração só despertavam em você no momento de certos prazeres; e que, como eles, logo desapareciam. Durante aqueles momentos tão felizes, eu devia ter apelado à razão e moderado o fatal exagero da delícia do prazer, e me prevenido contra tudo o que hoje sofro. Mas eu me entregava tão inteiramente a você que não tinha condição de pensar em nada que fosse destruir minha alegria e me impedir de gozar plenamente o testemunho ardente da sua paixão. Sentir que eu estava com você era tão maravilhoso que eu não tinha como imaginar que um dia você estaria longe de mim.
Eu me lembro, porém, de ter dito algumas vezes que você me faria infeliz; mas esse medo logo dissipava, e eu tinha prazer em sacrificá-lo e me render à graças e à falsidade de seus protestos. Vejo qual é o remédio para todos os meus problemas, e logo ficaria livre deles se não amasse mais você. Mas que remédio nada! Prefiro sofre mais ainda do que esquecer você. Será que isso depende de mim? Não posso me repreender por querer, durante um único momento, deixar de amar você. Sua situação é mais lamentável do que a minha; é melhor sofrer tudo o que sofro do que gozar dos prazeres insípidos que suas amantes lhe proporcionam aí na França. Não invejo sua indiferença, e você me dá pena. Desafio você a me esquecer para sempre. Orgulho-me de tê-lo conduzido a um estado tal que somente comigo você experimente o prazer perfeito; e sou mais feliz do que você, porque tenho mais ocupações.
Há pouco tempo fui nomeada porteira desse convento. Todos os que falam comigo acham que sou louca. Não sei o que responder a eles. E acho que as freiras são tão insensatas quanto eu ao me julgarem capaz de algum encargo. Como invejo a sorte de Emanuel e Francisco (dois criados portugueses). Por que não estou sempre a seu lado como eles? Eu teria acompanhado você e servido você melhor que eles, com certeza. A coisa que mais desejo no mundo é ver você. Pelo menos você se lembra de mim? Essa simples lembrança já me contenta, embora não ouse ter certeza disso. Quando eu via você todos os dias, não limitava minhas esperanças à lembrança que você tinha de mim; mas você me ensinou a submeter a todos os seus desejos. Apesar disso, não me arrependo de ter adorado você, e acho maravilhoso que você tenha me seduzido.
Sua ausência cruel, e talvez definitiva, não diminui em nada o êxtase do meu amor. Quero que o mundo inteiro saiba dele, não faço segredo, e me sinto feliz por ter feito tudo o que fiz por você, ainda que contra todo tipo de decência. E já que cheguei a esse ponto, que minha honra e minha religião só me sirvam para amar você perdidamente por toda a minha vida. Não estou dizendo tudo isso para obrigar você a me escrever. Não se incomode. Nada quero de você que não que seja espontâneo, e recuso todas as provas de amor que sejam forçadas. Terei prazer em perdoá-lo se for confortável para você não me escrever. Sinto profunda disposição de perdoar todas as suas faltas para comigo.
Um oficial francês teve a caridade de me falar de você durante três horas essa manhã. Ele me disse que a França já está em paz. Se é assim, você não poderia vir me ver e me levar para a França? Mas eu não mereço. Faça o que você quiser. Meu amor não depende mais da maneira como você me trata. Depois que você partiu, eu não tive um único instante de saúde; e não experimentei qualquer outro prazer que o de chamar seu nome mil vezes ao dia. Algumas freiras, que sabem do estado deplorável em que você me afundou, falam-me de você muitas vezes. Saio o mínimo possível desse quarto onde você veio tantas vezes, e passo o tempo todo olhando para o seu retrato, que me é mil vezes mais querido que minha própria vida. É um prazer olhar para ele, mas também me faz sofrer quando penso que talvez nunca mais eu veja você. Como é possível que eu nunca mais vá ver você? Será que você me abandonou para sempre? Estou desesperada. Sua pobre Mariana já não aguenta mais, vai desmaiar ao terminar essa carta. Adeus. Adeus, tenha pena de mim."