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Do Holocausto e da morte de Deus

Guarapari, 15 de Janeiro de 2011


“Sempre imaginei que, ao dar com Sofia, o Dr. Jemand Von Niemand estava passando pela grande crise da sua vida, sentindo-se desintegrar no momento exato em que procurava a salvação espiritual. Podemos apenas especular sobre a carreira posterior de Von Niemand mas (...) em geral, classificara-se como um Gottgläubiger – isto é, rejeitara o cristianismo, embora exteriormente professasse fé em Deus. Mas como era possível crer em Deus após praticar a medicina, meses a fio, num lugar tão terrível (Auschwitz)? (...) O renovado horror voltava a atormentar a alma do médico, ameaçava-lhe a razão. Começou a beber, a adquirir o hábito da glutoneria e a sentir a falta de Deus. Wo, wo ist der lebend Gött? Onde está o Deus dos meus ancestrais?” (A escolha de Sofia, p. 594-595)

Apenas para situar: O doutor Von Niemand era o médico responsável pela seleção dos prisioneiros chegados à Auschwitz. Os aptos à servirem de mão-de-obra aos propósitos malignos dos nazistas, ficavam a direita do doutor; os inaptos, judeus ou qualquer outro povo, ficavam do lado esquerdo. Estes do lado esquerdo eram imediatamente enviados para as câmaras de gás, e em seguida, para os crematórios. Durante alguns anos, o doutor ficou responsável por essa tarefa de seleção, mas antes, quando ainda jovem, freqüentava muito a igreja e pensava em entrar para um seminário; seu pai, mercenário, obrigou-lhe a fazer medicina. E nesse momento de crise existencial, Sofia, aparece em sua frente para proceder à seleção. E uma fato atípico, que Sofia percebe, é que o doutor estava ligeiramente bêbado, o que era contra os princípios da SS. Mas este estado é explicado pela crise que ele estava enfrentando.

Deus está presente apenas na consciência dos seres humanos! Se não fosse assim, os animais, as plantas, e todo o resto edificariam altares à esse ser divino; o que, factualmente, não acontece. Por isso, Deus está apenas na mente de cada homem, seja como um anseio, como um desejo, como uma vontade, ou como uma segurança. Deus, como diria Mircea Eliade, é uma parte constitutiva da psique humana. O ser humano se completa em Deus pelo fato de esse Deus ser parte dele mesmo. O homem quando olha uma incrível paisagem, sente-se compelido a agradecer à alguém, mas como não foi ele próprio que criou toda essa beleza, atribui a Deus a criação, rendendo-lhe graças. Ou quando o homem se encontra no meio de uma tragédia, ele procura força em algo que não seja ele – o acometido pela tragédia – para se sustentar, restando-lhe apenas a figura de Deus. No entanto, o homem só assim procede, enquanto se encontra no esquecimento do real criador dessa figura transcendental: ele mesmo.


Deus está apenas na consciência do ser humano! E enquanto este se esquece disso, Ele continua existindo. Mas a partir do momento em que a própria consciência deste homem é posto em xeque, como é o caso do doutor Von Niemand, esse Deus desaparece. Após ano servindo a essa máquina de morte e horror que foi o nazismo, como não se perguntar: cadê Deus? Cadê esse ser de que tanto falam que socorre-nos quando estamos aflitos? Em Auschwitz, não havia esperança; não num ser metafísico, e sim apenas na esperteza e flexibilidade de cada pessoa. Nos campos de concentração, Deus foi banido. Contudo, não é que ele foi banido, porque no fundo, Ele não existe. Mas Ele morreu. Morreu porque a consciência das pessoas em Auschwitz também morreu, e nessa morte, não seriam mais edificados templos em sua homenagem. A constante exposição à crueldade real – sombria, monótona, estéril e tediosa, como diria Simone Weil – presente em cada câmara de gás, em cada crematório, em cada muro de fuzilamento nazista, esmagou a consciência dos internos dos campos, restando-lhes apenas migalhas de razão. Isso causou a morte de Deus. Retire uma boa quantidade de neurônios de um ser humano, e observe se ele terá a faculdade de pensar em Deus e em tantas outras coisas...

Deus é uma resposta do ser humano as suas necessidades. Em alguns, essas necessidades são mais básicas e imediatas, enquanto em outros, elas são mais supérfluas, o que explica a afinidade maior de uns com a divindade, do que outros. Mas em todos nós, determinado tipo de necessidade pode ser preenchida ou não pela figura de Deus. Contudo e, sobretudo em tragédias naturais ou humanas, como foi o nazismo, o homem tende a se estreitar a Deus. E assim ele se estreita cada vez mais a sua consciência, e em como ela vai percebendo Deus a sua volta. No entanto, quando a tragédia é duradoura, a consciência perde a faculdade de enxergar Deus, e Ele, por fim, morre. A consciência dá lugar a um estado de caos mental, em que Deus não está mais nele. Assim ocorreu a morte Deus para o doutor Von Niemand, que de perto enxergou e participou do horror nazista. Assim Deus morreu em Auschwitz e nos demais campos de concentração. Assim Deus morre para aqueles que a consciência percebe que ela mesma é a criadora dessa imagem divina. Assim Deus morreu em minha consciência, restando apenas Eu, o criador de Deus. E assim Deus continua morrendo na consciênica de muitas pessoas... Morte de um ser que nunca existiu, a não ser, na mente!

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