Nascer em determinado ano ou em determinada família, para ninguém é uma escolha, mas um fato. Não se escolhe existir ou não, a realidade é que os pais de cada um determinaram isso para as suas crianças, sem ao menos consultá-las. Não se decide nascer brasileiro, europeu, africano ou asiático, você apenas nasce.
Fato curioso é que quando nascemos, não nascemos num mundo que a partir de nossa participação nele, será construído aos poucos, e sim, passamos a caminhar num mundo que já vem sendo construído há milhares de anos.
É a isso que denominamos tradição, que no grego é tradere que significa entregar. Um mundo nos é entregado, no qual só há uma coisa que possamos fazer: nos enquadrar. Não há tempo para a reflexão nesse mundo que já está em curso. Nós herdamos usos e costumes, herdamos formas de vestir, e falar, de agir, e, acima de tudo, herdamos uma forma específica de pensar.
Herdamos a tradição dos que já foram, e raramente pensaríamos diferente do que é comummente aceito pelo tradicionalismo. Afinal, nossa herança é fruto de uma fórmula que deu certo em uma determinada época, sendo vetado a possibilidade de questioná-la, já que o que vêm das eras passadas é acompanhado de uma áurea divina, de um aspecto imutável e infalível. A tradição que herdamos é o esforço de nossos antepassados em sua luta pelo controle de uma determinada situação, mas geralmente esquecemos que não é nada mais que uma fórmula inventada pelos seres humanos, envolta em grande mística.
Passado de pai para filho, juntamente com os traços culturais de uma tradição, o cargo de líder desse sistema é ocupado por aquele, ou aqueles, que garantirão a continuidade da ordem. Sendo estes responsáveis pela repressão das manifestações contrárias à sua forma de pensar.
E o que vejo hoje não é diferente disso. Eu, como muitos outros, decidi rever até onde minhas crenças remontavam à uma tradição, ou à uma decisão própria diante de algumas circunstâncias. Pasmei: todas, absolutamente todas minhas escolhas por algo ou alguém eram geradas na decisão de outros, geralmente, dos manejadores da tradição.
Só pude dar uma resposta diante da realidade que percebi: largar tudo, voltar atrás e refazer todo o percurso novamente. Decidi que não deixaria a tradição de minha família, de meus amigos, do cristianismo, e da sociedade influenciasse em minhas escolhas. O que eu decidir será fruto de minha própria reflexão, por conseguinte, as consequências se tornam minha responsabilidade, exclusivamente.
Quando percebi que a tradição estava criando em mim complexos, síndromes e recalques, roubando minha existência, decidi abandoná-la. Decidi ser dono do próprio nariz. Decidi dar o primeiro passo rumo às respostas que eu pedia às pessoas, mas que só traziam fórmulas prontas, de pessoas que não possuem o interesse, senão o poder. Decidi ser eu, não extensão dos outros.
Confesso, fugir da tradição me rende acaloradas discussões, muita dor de cabeça, e periodicamente o choro. Mas agora possuo a certeza de ser livre em mim mesmo, uma vez que os grilhões da tradição foram arrebentadas. E por fim, agradeço que há outros tantos que também se decidiram por isso, constituindo uma esperança para aqueles que se encontram encarceradas pela fórmula dos mortos.
" Os temerosos não galgam lugares altos..." MARIA CALLAS
Sócrates já dizia: Sei que nada sei. Quanto mais se conhece, mas se chega a percepção de que nada se conhece. Portanto, só nos cabe uma única postura: irmos cada vez mais fundo, cavando cada vez mais como diria Nietszche, contrariando a postura de comodismo.
Á você, meu msn: alanbuchard@hotmail.com
Abraços